Expedicionário Antônio Alvares da Silva. O Frei Orlando.
O Capelão Brasileiro que morreu prestando serviço religioso aos combatentes da FEB.
Antônio Alvares da Silva nasceu na cidade de Morada Nova de Minas, no Estado de Minas Gerais, em 13 de fevereiro de 1913, filho do negociante Itagyba Alvares da Silva (Juiz de Paz) e de Dona Jovita Aurélia da Silva.
Em homenagem recebeu o nome de seu avô por parte de pai e, no dia 18 de março, tornou-se cristão pelo batismo realizado pelo padre João Bernardino Barone, na Igreja Nossa Senhora de Loreto.
Com seus oito irmãos mais velhos, aos três anos de idade, ficou órfão de mãe e pai.
Passou a ser criado e educado por seus vizinhos Sebastião de Almeida Pinho (farmacêutico) e Dona Emirena Teixeira Pinho (Dona Ninita), velhos amigos de seus pais legítimos.
De temperamento herdado do pai, ainda muito criança, demonstrava espírito brincalhão jocoso e gostava de fazer os outros rirem.
O pequeno Alvares era um filho muito estimado pelos pais adotivos. Os laços de um profundo e puro afeto os ligavam, confundindo-o dentro do lar com os filhos legítimos, os quais souberam acolher muito bem o inesperado irmãozinho, que era peralta e bem-humorado.
Recebeu da nova família formação moral, sentimento de fé, piedade e obediência às leis e aos mais velhos. Tinha horror à mentira e ao desânimo, tendo, inclusive, mais tarde, adotado o lema "Gente desanimada é gente vencida".
Em 1919, fez a Primeira Comunhão, juntamente com a sua prima "Agda" na mesma igreja em que foi batizado. Aos sete anos, foi matriculado no Grupo Escolar Professor Rafael Barroso — hoje, Escola Estadual da cidade de Abaeté —, a 87 km ao sul de Morada Nova.
Tornou-se assíduo frequentador do catecismo, repicava os sinos da matriz Nossa Senhora do Patrocínio de Abaeté e acompanhava as procissões com turíbulo incensando a todos, na intenção de bem servir à Igreja e ao vigário (Padre Mário).
Em 1922, tornou-se coroinha, primeiro grito de chamamento para as lides eclesiásticas. Sua vocação sacerdotal surgiu mesmo aos dez anos de idade quando conheceu três padres franciscanos holandeses, oportunidade que foi convidado para ir ao Seminário, em Divinópolis.
Na manhã do dia seguinte, pediu à professora (D. Maria Mourão) para sair mais cedo da aula, para pegar os cavalos, pois queria continuar os estudos em Divinópolis (172 km de Abaeté) para ser padre. Ela não acreditou. Decorridos treze anos, já como padre, voltou, procurou a professora e disse: "Peguei ou não os cavalos para ser padre."
Servo de Deus
No seminário, logo recebeu vários apelidos, por seu comportamento irrequieto e dedicado: "Antônio Merreu" e "Antônio Capela", encarando-os com espírito esportivo e zombador.
Em 5 de janeiro de 1925, aos 12 anos de idade, ingressou no Colégio Seráfico de Divinópolis (Casarão), hoje Museu Histórico de Divinópolis, para fazer o Seminário Menor (ginásio e ensino fundamental), onde recebeu formação diversificada, esportiva e recreativa.
Aos 16 anos, recebeu missiva de sua mãe adotiva informando que seu pai de adoção havia sofrido um derrame. Pela primeira vez, chorou amargamente e, em 13 de julho de 1929, o seu segundo pai veio a falecer.
Para terminar seus estudos, seguiu para a Holanda no dia 17 de fevereiro de 1931, onde ingressou na Ordem Franciscana. Fez o sexto ano do Seminário Menor no Colégio Seráfico de Sittard e, em 7 de setembro de 1931, recebeu, no noviciado em Hoogcrutz, aquele bonito hábito marrom, com o grande cordão de três nós, representante da profissão perpétua de "obediência, pobreza e castidade.
" Estudou, depois, em Venray, dois anos de filosofia e, no convento de Alverna, um ano de teologia, onde passou a adotar o nome religioso de "Orlando". Em Wijchem, recebeu o certificado médico autorizando seu regresso ao Brasil.
Regressou da Holanda a bordo do navio "Highland Monarch" no final de setembro de 1935. Na primeira quinzena de novembro, os sinos de Morada Nova entoaram sons fortes e repicados, anunciando o retorno de Antônio Alvares da Silva, agora como Frei Franciscano Orlando — "primeiro frei Franciscano Mineiro".
Atuante, impetuoso, ávido por aventuras e proativo para fazer caridade, ia ao encontro dos necessitados, não esperava que lhe batessem à porta.
Antônio Alvares da Silva, como clérigo, estudante de teologia do Seminário Maior Franciscano, era brincalhão, vivia sempre sorridente e gostava de pitar um cachimbo "quilométrico".
Em 25 de outubro de 1936, foi ordenado Diácono no Seminário Seráfico de Santo Antônio de Divinópolis, com Dom Inocêncio Engelke.
Em 24 de outubro de 1937, dois anos após seu regresso e com 24 anos, com a presença de todos os seus irmãos, foi ordenado sacerdote franciscano no Santuário de Santo Antônio de Divinópolis, pelas mãos de Dom Antônio dos Santos Cabral, arcebispo de Belo Horizonte. Sua cela (quarto) foi ornamentada com cinco margaridas, presenteadas por suas irmãs. Cada flor representava uma delas.
No dia 1º de novembro, na Igreja São Francisco das Chagas, em Carlos Prates, Belo Horizonte, Frei Orlando celebrou a sua primeira missa, no subsolo da edificação ainda inconclusa.
Em dezembro de 1938, foi nomeado padre espiritual do Colégio Santo Antônio, da cidade de São João del-Rei, onde deu seus primeiros passos na vida sacerdotal e marcou sua vocação à caridade e aos misteres da igreja (campus Santo Antônio da UFSJ-Universidade Federal de São João del-Rei).
A vida religiosa em São João del-Rei
A cidade de São João del-Rei passou a ser para Frei Orlando como um livro aberto de arte, de história e de religiosidade.
Procurou inteirar-se de tudo. Frequentemente, era visto com sua bicicleta subindo ladeiras íngremes, ruas sinuosas, becos sombrios, ávido de melhor observar, sempre arguto, auscultando, indagando. Ia fazendo amigos, envolvendo uns, cativando outros, com seu bom humor.
Como diretor na Ordem Terceira, fez parte do Corpo Docente do Colégio Santo Antônio, onde passou a lecionar Português, Geografia e História Geral. Tornou-se um autêntico missionário da caridade, arregimentando pessoas para sua causa. Foi o criador da "Sopa dos Pobres".
Havia muitas bocas e poucos eram os pratos. Por esse motivo, Frei Orlando foi ao 11º Regimento de Infantaria (11º RI) ², hoje 11º Batalhão de Infantaria de Montanha (11º BI Mth), ali instalado havia mais de quarenta anos. No mesmo dia, o Boletim da Unidade publicava a relação dos militares voluntários que passaram a contribuir para socorrer a prestimosa obra assistencial.
Fundou e orientou a Congregação Mariana, formada pelos alunos do Colégio Santo Antônio, ainda em São João del-Rei.
Por falta de vigário, em 1941, a bordo do vapor "Benévolo", Frei Orlando foi designado para pregar missões na Bahia e nas cidades mineiras de Caravelas, Alcobaça e Nova Viçosa, realizando aproximadamente cem primeiras comunhões.
Frei Orlando a Serviço de Deus e da Pátria
Ele merece o nosso eterno agradecimento e admiração, por ter ingressado voluntariamente no Destacamento da Força Expedicionária Brasileira (FEB), afastando-se da vida religiosa que tinha em São João del-Rei. Lutou com a cruz e com a espada. Levou a fé, a caridade e o conforto espiritual aos nossos "pracinhas" e aos italianos. Honrou o hábito dos franciscanos e a farda do Exército Brasileiro.
Incorporação
No dia 25 de março de 1944, o 11º Regimento de Infantaria (11º RI) ocupou os barracões do Morro Capistrano, na Vila Militar do Rio de Janeiro, de onde saiu somente em 22 de setembro, com destino ao Velho Mundo.
Frei Orlando apresentou-se voluntariamente e foi nomeado Capelão Militar pela Portaria nº 6.785, de 13 de julho de 1944, de acordo com o Decreto nº 6.535, de 26 de maio de 1944. Abandonou sua vida pacífica do claustro, a solidão das celas franciscanas e a paz dos templos pela vida agitada e incerta das atividades militares, a fim de atender sua vontade de bem servir à causa do Brasil e ao santo mistério de Deus, na guerra. Declarou a um amigo que era uma missão que recebeu de Nossa Senhora e sabia que não iria voltar.
Na manhã de 20 de julho, surge, no acantonamento, risonho e feliz, aquele que, como Tenente da Companhia de Comando Regimental, levaria conforto e apoio espiritual aos guerreiros da FEB, empunhando apenas duas armas: um cachimbo e uma gaita, com a qual anunciava a hora de rezar o terço.
Além da missão de defender a Pátria, levar aos combatentes a palavra de Deus, dava ânimo e motivação aos que se viam em desespero e até revoltados, ante o quadro de caos produzido pelo próprio homem.
Na investidura de suas funções junto à tropa, celebrou sua primeira missa para o Regimento Tiradentes, em 21 de julho, em um altar tosco de madeira construído no acantonamento do Morro Capistrano.
Quando vestiu o uniforme de capelão militar no posto de tenente, sentiu a diferença. Seu garbo e sua postura impunham respeito e só era identificado como padre pelo distintivo da cruz na gola da túnica. Ao voltar fardado a São João del-Rei, procurou cumprimentar a todos pelas ruas da cidade, com tanta alegria, que parecia despedir-se de tudo e de todos.
Na missa de despedida, no Templo de São Francisco de Assis, subiu ao púlpito, falou da situação da guerra e ressaltou a sua satisfação de servir a Deus e à Pátria. "Hoje é o dia mais feliz de minha vida, completei o meu ideal: sou agora soldado de Deus e da Pátria."
A FEB na Itália
Às 11 horas do dia 22 de setembro de 1944, o navio norte-americano "General Meighs" zarpou com os "pracinhas" para a Itália. Durante o deslocamento, ficaram sabendo das primeiras vitórias do destacamento da FEB no vale do rio Serchio e o destino da viagem marítima.
Apesar de pouca convivência com todos os integrantes do "Onze", Frei Orlando já se apresentava perfeitamente entrosado com oficiais e praças. Celebrava missas e rezava o terço no tombadilho do navio.
Para o Capelão, não havia obstáculos que o impedissem de realizar suas tarefas religiosas.
Certa vez, celebrou uma missão em um dos compartimentos do navio, improvisando um altar em cima dos sacos de bagagem e utilizando sua maleta de extrema-unção, que continha todo o material necessário para o culto.
No dia 6 de outubro de 1944, os "pracinhas" atracaram no porto de Nápoles. No dia 10 do mesmo mês, embarcaram para a Ternuta de San Rossore, a oeste da cidade de Pisa, lugar com espaço suficiente para abrigar até três divisões (doze mil homens), conforme era esperado pelos norte-americanos.
Depois de completamente instalada a capelania, os capelães celebraram a primeira missa em solo italiano, na capelinha construída pelos brasileiros. Terminadas as orações, — grande surpresa! —, estavam rodeados de jovens em busca de alimentos.
Eram italianos famintos. Era a miséria da guerra. Frei Orlando logo se pôs a ajudar os necessitados, com mantimentos recolhidos dos "pracinhas". Deu conforto e esperança, dizendo que a guerra logo iria acabar.
Frei Orlando não perdeu tempo e, assim que pôde, com o auxílio de uma freira, organizou um asilo improvisado na cidade de Pisa. Não dispunha de outros recursos para mantê-lo, senão o de valer-se da caridade dos soldados. No asilo, eram lavadas as roupas dos soldados em troca de alimentos.
Em 22 de outubro, na cidade de Pisa, Frei Orlando rezou sua primeira missa oficial na Itália, a qual foi acompanhada por mais ou menos quatro mil soldados.
Estes, em coro, encerraram a cerimônia cantando o Hino Nacional, sob o som longínquo de estrondo de canhões inimigos.
Dias depois, apareceu outro "inimigo" dos "pracinhas". Veio de surpresa, silenciosa e deslumbrante, nunca vista por muitos brasileiros. Embranquecendo as casas, as árvores, as barracas e os morros.
Era a neve, que caía brandamente, transformando a paisagem panorâmica em um lindo e grande tapete branco. Também vieram com ela o frio e o "pé-de-trincheira".
Nos últimos dias de novembro, após o insucesso do primeiro e do segundo ataques da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária a Monte Castelo, o Regimento Tiradentes foi retirado apressadamente da situação de treinamento e enviado para a frente de combate, em substituição ao I Batalhão de Infantaria/1º Regimento de Infantaria.
O II Batalhão, onde se encontrava Frei Orlando, foi o segundo a se deslocar para as montanhas dos Apeninos, chegando à localidade de Silla, onde a capelania ocupou uma velha casa no sopé da colina. Iniciava-se o período da "Defensiva do Inverno".
A Morte do Capelão Militar Frei Orlando
"Onde não pode entrar este hábito, também não pode e não deve entrar a farda do nosso Exército."
Frei Orlando fazia questão de estar nas primeiras linhas de combate. Não se acomodava com as incertezas da retaguarda, numa posição meramente passiva.
Dizia ele que nossos companheiros não podiam tombar sem assistência espiritual.
Com galochões contra a neve, encapotado e com capacete de aço e fibra enterrado na cabeça, progredia deitando-se aqui e ali para ocultar-se das vistas inimigas.
Fazia questão de ver de perto as nossas posições avançadas e o estado moral dos soldados. Animava-os com seu idealismo inabalável. Dupla incumbência tomara para si nos campos sangrentos da Itália: cuidar da alma dos soldados brasileiros e socorrer as famílias famintas italianas.
Em uma noite escura e ao som da macabros obuseiros inimigos, nasceu um "bambino", que foi batizado pelo capelão e passou a se chamar "Orlando Rafael". Orlando, nome do capelão, e Rafael, do comandante da Companhia de Comando Regimental. Foi o último batismo do Frei Orlando.
Frei Orlando e o Capitão Rafael Rodarte receberam cinco dias de folga para passar em Roma, ficando hospedados no hotel Excelsior, dos norte-americanos.
Foram visitar o Papa Pio XII, que fez concessão especial ao Frei Orlando, autorizando-o a celebrar missa na Catedral de São Pedro.
Ao sair da Basílica de São Pedro, à porta do templo, disse ao seu comandante de companhia e amigo: "Meu caro Rodarte, penso que não voltarei ao Brasil, e se tal acontecer, quero pedir-lhe para que seja enterrado com o hábito de Franciscano e com o capuz na cabeça.
Desejo, ainda, que meu altar portátil, a coleção de vida dos Papas, o meu cachimbo e a minha gaita sejam entregues aos Franciscanos de São João del-Rei."
Frei Orlando prestou, heroicamente, toda a assistência religiosa aos nossos companheiros, vítimas da guerra, no cumprimento do dever. Não se punha à retaguarda nem se conformava em ser mero expectador de um duelo. "Não posso", dizia ele completamente transtornado, "não posso permanecer distante dos que caem varados pelas balas, gritando pelos nomes de seus pais queridos!"
Frei Orlando continuava nas suas andanças pelos morros, atingindo as posições, querendo ver de perto o que se passava. Arriscou a vida por diversas vezes nessas imprudências.
A fim de ser protegido dos perigos da guerra, foi deslocado para o Posto de Saúde Avançado, com o intuito de atender aos feridos que chegavam do campo de batalha. Vivia bem disposto, alegre e sempre animado e animando a todos. Dormia e acordava sorrindo, seu bom humor era contagiante.
Certa vez, nas imediações de Pisa, os oficiais o convidaram para uma "farra", e ele, dando uma baforada de seu cachimbo, para espanto de todos, aceitou. Foram se arrumar. Todos vieram fardados e, para surpresa deles, o capelão apareceu de hábito franciscano.
Todos retrucaram, e ele respondeu: "Saibam os senhores, meus patrícios, que, onde não pode entrar este hábito, também não pode e não deve entrar a farda do nosso Exército."
O incidente que levou à morte Frei Orlando
Na manhã de 20 de fevereiro de 1945, véspera da conquista de Monte Castelo, Frei Orlando, depois de estar com a 4ª Companhia (4ª Cia), em Falfare, dirigiu-se ao observatório de Monte dell' Oro. Lá, manifestou ao Comandante do Batalhão o desejo de ir de Falfare até Bombiana, para visitar a 6ª Companhia (a mais bombardeada).
Optou por um caminho mais curto, porém perigoso, mas o Comandante do Batalhão impôs-lhe o mais longo e seguro. Seguiu sozinho, a pé, marchou ao encontro da morte. A meio quilômetro de Bombiana, durante o percurso, encontrou-se com o Capitão Francisco Ruas Santos, que o convidou para prosseguir no seu jipe, dirigido pelo Cabo Gilberto Torres Ruas, que, juntamente com o Sargento Partigiani (membro da Resistência italiana, atuando como guia), seguiam na mesma direção. Frei Orlando, muito folgazão, ainda contou uma passagem alegre da ocupação holandesa no Brasil, dando uma de suas costumeiras gargalhadas.
O jipe seguia lentamente pelos caminhos esburacados para o ponto cotado 789, quando, de repente, se deteve sobre uma pedra. Todos desembarcaram e procuraram retirá-la, engastada no eixo dianteiro. O sargento italiano, no intuito de ajudar o capitão, que trabalhava na retirada com uma manivela, o fez desferindo forte pancada com a coronha de sua arma. Isto ocasionou um disparo acidental, que atingiu mortalmente o Frei Orlando no peito.
Este soltou um grito; ao mesmo tempo, levou a mão ao peito. Dando alguns passos à frente, tirou seu terço do bolso do casaco, balbuciando a Ave-Maria.
O Capitão Ruas largou tudo e saiu às pressas à procura do médico do batalhão, mas já era tarde. O italiano chorava e lamentava em prantos, agarrado ao corpo do capelão.
Às 14 horas do dia 20 de fevereiro, ao som de granadas e metralhas, o corpo de Frei Orlando, vestido com o hábito franciscano e o capuz, em atenção a seu último pedido em vida, foi velado por praças e alguns oficiais na Capela de Santo Antônio de Bombiana.
Às 19 horas, durante a missa de corpo presente, seu corpo foi colocado em cima de uma padiola, no chão frio da capelinha. O Capelão Frei Orlando parecia dormir, ninguém acreditava no que aconteceu. Todos choravam a perda inesperada do frei que sonhava um dia ser missionário na China.
Perdia-se assim, abruptamente, um incansável missionário, um pregador de méritos, um escritor de talento, um dedicado professor, um catequista emérito, um extraordinário confrade e um militar de escol.
Na manhã do dia seguinte, foi celebrada outra missa, com a assistência dos oficiais e praças do II/11º Regimento de Infantaria ³. Enquanto Monte Castelo era consolidado e era feita a limpeza, o corpo de Frei Orlando era transportado para o cemitério de Pistoia, onde se alinhou junto aos demais brasileiros mortos nos campos da Itália.
Foi hasteada a Bandeira Nacional no cemitério votivo de Pistoia, no dia em que Frei Orlando baixou à sepultura, aos sons de repetidos disparos da guarda fúnebre. Ao som do repicar dos sinos das igrejas de Pistoia e do triste toque de silêncio, foi-se aquele que passou pela vida distribuindo gargalhadas e conforto espiritual.
Sua missa de sétimo dia foi rezada pelo Padre Pheeney (capelão-chefe), que deu absolvição final à estola do sacerdote e ao capacete do militar, na Igreja Matriz, em Porreta Terme, a qual estava repleta de oficiais, praças e fiéis italianos.
No dia 5 de outubro de 1960, na cidade de Pistoia, na terra adotiva dos nossos guerreiros, teve início a exumação de todos os nossos soldados, cujos despojos foram transladados para o Rio de Janeiro.
No dia 22 de dezembro, 451 soldados do Brasil se encerravam para sempre nos subterrâneos do Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial (Pantheon dos Heróis da Pátria). Frei Orlando voltou ao seu país natal.
O Patrono do Serviço de Assistência Religiosa do Exército
"O insigne Antônio Alvares da Silva, Frei Orlando, que morreu pela Pátria e por Deus no campo de batalha italiano durante a II Grande Guerra, nasceu para a eternidade e teve seu nome imortalizado como Patrono do Serviço de Assistência Religiosa do Exército (SAREx)."
Quando da constituição da Força Expedicionária Brasileira (FEB), Frei Orlando foi um dos primeiros a apresentar-se como voluntário, sendo nomeado Capitão Capelão do II Batalhão do 11º Regimento de Infantaria, sediado em São João del-Rei, na data de 13 de setembro de 1944. Sete dias depois, embarcou com a Força Expedicionária Brasileira para participar da II Guerra Mundial na Itália.
Partiu satisfeito, pois o seu sonho era ser missionário de Cristo e do Brasil. Foi expedicionário de sua igreja e de sua pátria.
Considerou-se justo que nossos combatentes, em plagas italianas, fossem fortalecidos espiritual e moralmente pelos capelães militares. Foram assim integrados à FEB, em seus diversos escalões, trinta padres católicos e dois pastores protestantes.
Frei Orlando granjeou o respeito e a admiração de todos os integrantes de sua Unidade por seu destemor e abnegação, além da sua luta em levar o conforto e uma palavra de encorajamento aos "febianos", onde quer que estivessem.
Sua presença era constantemente notada na primeira linha, como se lê em um trecho de carta que escreveu a seus familiares:
"Desde que vim para a linha de frente, estou sempre no Posto de Saúde Avançado a fim de atender os feridos que chegam do campo de luta. De fato, vivo 'zanzando' por toda parte, hoje aqui, amanhã ali, dormindo ora neste, ora naquele lugar, sempre na primeira linha. Até hoje, nada sofria. Ao contrário, estou bem disposto, alegre e sempre animando a turma."
Estas palavras bem revelam a coragem e a alegria com que ele cumpria sua missão. Aliás, alegria era a sua marca registrada, cunhada por ele na célebre frase: "Passei pela vida sorrindo, embora tivesse motivos para chorar!", que bem reflete sua atitude perante as dificuldades e os obstáculos com que se deparou durante a existência.
O Tenente Gentil Palhares, companheiro de Frei Orlando no "front" italiano, testemunha fidedigna por ter convivido pessoalmente com o grande sacerdote, no livro "Frei Orlando: o Capelão que não voltou", relata mais de uma ocasião em que transparece claramente o espírito ecumênico do Patrono do SAREx.
Possuir espírito ecumênico, aliás, é um dos requisitos básicos para aqueles, padres católicos romanos e pastores evangélicos, que pretendam ingressar no Quadro de Capelães Militares do Exército.
Naquela fria tarde de 20 de fevereiro de 1945, os soldados brasileiros preparavam-se para outra violenta arremetida a Monte Castelo. Os combatentes anteriores mostraram aos pracinhas da FEB o valor do soldado alemão e permitiram que se conscientizassem de seu próprio valor.
Todos esperavam o dia seguinte, conservando em suas mentes a lembrança dos companheiros mortos e feridos.
No frenesi destes trabalhos, encontramos Frei Orlando, armado de seu ritual e dos santos óleos, levando conforto e coragem aos nossos combatentes.
As companhias do II Batalhão estavam ao pé do Monte Castelo, prontas para atacá-lo. Frei Orlando visitara todas, menos uma.
A todo custo, queria visitá-la, queria levar o conforto de suas palavras a todo o seu rebanho, pois o dia seguinte seria o dia do ataque ao forte bastião. Foi na tentativa de alcançar a companhia que não visitara, que o Frei Orlando foi mortalmente ferido, entregando sua alma ao Criador.
Morre esse abnegado soldado-sacerdote, tornando-se um exemplo para aqueles que dedicam sua vida a levar uma palavra de ânimo aos irmãos de farda.
Contava com 32 anos de idade. O boletim nº 52, do 11º Regimento de Infantaria (11º RI), de 22 de fevereiro de 1945, impresso em Docce, na Itália, registrou o passamento do capelão:
"Foi recebida, com dolorosa surpresa, a notícia do falecimento do Capelão Capitão Antônio Alvares da Silva (Frei Orlando), quando se dirigia de Docce para Bombiana, a fim de levar assistência espiritual aos homens em posição, no dia 20, quando do ataque ao Monte Castelo.
O sacerdote, que desapareceu da face da terra após ter servido com pureza de sentimento à religião e à Pátria, deixa imensa saudade no seio da organização católica a que pertencia. No 11º RI, como Chefe da Capelania, conquistou a todos pelas qualidades apostólicas.
No teatro de operações, nos dias de maiores atividades bélicas, jamais deixou de levar o seu conforto espiritual ou o santo sacrifício da missa em qualquer circunstância, mostrando-se, além de religioso, um forte, um bravo, um verdadeiro soldado da Cruz de Cristo."
Seu túmulo permaneceu no Monumento Nacional aos Mortos da II Guerra Mundial, Rio de Janeiro, até o ano de 2009, quando os restos mortais foram levados para São João del-Rei, por ocasião do encerramento da fase diocesana de seu processo de beatificação.
Como justa homenagem a Frei Orlando, capelão que viveu e morreu cumprindo sua missão com tanto ânimo, fé e destemor, foi-lhe outorgado, com o Decreto nº 20.680, de 28 de fevereiro de 1946, o título de Patrono do Serviço de Assistência Religiosa do Exército, e a data de seu nascimento, 13 de fevereiro, consagrada como o Dia do SAREx.
Por ocasião do centenário do seu nascimento, e em reconhecimento aos seus grandes préstimos, o Exército Brasileiro o homenageia fazendo constar a frase "FREI ORLANDO — SOLDADO DA FÉ" em todas as correspondências e ofícios durante o ano de 2013, o que vem ao encontro da iniciativa da Igreja Católica de proclamar este como o Ano da Fé, para levar seus fiéis a refletir sobre como a dimensão espiritual influencia a vida de cada um.
Ao reverenciarmos a figura ínclita do Patrono do SAREx, este sacerdote-soldado que enobrece tanto a religião quanto a Força Terrestre, queremos homenagear também todos os capelães, padres católicos e pastores evangélicos, que integram atualmente o SAREx.
Em Frei Orlando, os atuais pastores de alma da Força Terrestre têm o exemplo lídimo no qual se espelhar para realizarem com êxito a assistência espiritual, moral e psicológica que prestam aos militares e a suas famílias.
Fontes:
CNCMB
Jornal das Lages
Museu Virtual da FEB
História do PRP
Francisco Miranda
Frei Orlando - O Capelão que não voltou.
Blog São João Del Rei
Projeto Museu da Vitória - Brig Nero Moura
Relembrando Nossa História - Divinópolis
Marcus Santiago
Relembrando Nossa História - Divinópolis
Museu da FEB BH - Espaço Cultural da 4ª Região Militar
Jornalismo de guerra
Revista Verde Oliva nº 219.
Texto de Francisco José dos Santos Braga.
Site Força Expedicionária Brasileira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário