Não podemos deixar de mencionar os extraordinários acontecimentos que se passaram com o Ten. Manoel Genito do Carmo, comandante do 2º Pelotão da 7ª Cia., do 1º RI, durante o ataque ao Monte Castelo, no dia 12 de dezembro. A marcha para a base de partida do ataque foi iniciada às três horas da madrugada, na mais completa escuridão, com chuva e frio, num terreno lamacento. Para seus homens não se desgarrarem, o Ten. Genito ligou todos por meio de uma corda e marchou à frente, orientando-se pela bússola fosforescente. Às sete e trinta o Pelotão se achava à frente do primeiro objetivo, o Monte Fornelo, trezentos metros aquém do Monte Castelo e pouco adiante de Cá Vitelline. Às oito horas, quando o Pelotão penetrou num campo limpo, preparado para cultura, a cerração, que antes era densa dissipou-se ràpidamente. Os atacantes são apanhados pelas vistas de Fornelo, em pleno descampado. O Ten. Genito dá ordem para seus homens atravessarem o campo, já sob forte tiroteio inimigo, e se abrigarem no terreno pedregoso à frente. De Cá Vitelline também partem tiros de metralhadoras, ficando assim o pelotão entre dois fogos. A situação era desesperadora. O soldado Toledo Dias, especialista em tiros com luneta, embora ferido, consegue acertar um metralhador alemão, calando assim uma "lourdinha", em Cá Vitelline. Outras armas automáticas porém continuam a castigar o terreno, impedindo a progressão. Vários homens feridos pediam socorro. O Ten. Genito a custo reúne os Sargentos Aires da Silva Dias e João Batista Ferreira, comandantes dos grupos, e determina: "Estamos no fogo e dele vamos sair queimados; não devemos morrer encurralados, sem demonstrar nossa ação. O Sarg. Aires vai deslocar seu grupo um pouco para a esquerda, sobre aquele ponto do terreno e bater com sua metralhadora o inimigo de Cá Vítelline. O Sarg. Ferreira coloca sua arma um pouco à frente e bate a posição de Fornelo, para onde vou pedir fogos de morteiros. Recebida a ordem, o Sarg. Aires prontamente se desloca para cumprir sua missão. O Sarg. Ferreira, mais afoito, quer avançar sobre Fornelo e propõe: "Tenente, meu desejo é avançar sobre a posição de Fornelo e, se eu conseguir chegar até lá, eles vão ter um leão pela frente". O Ten. Genito procura conter a impetuosidade do Sarg. Ferreira, aconselhando-o a esperar os tiros de morteiro, antes de assaltar. Pelo aparelho portátil de rádio pede ao Comte. de Cia. tiros sobre Fornelo. Ao terminar a comunicação uma bala de metralhadora estilhaça o fone, junto à sua boca, Inutilizando o aparelho, sem feri-lo. O Sargento Aires é apanhado por uma rajada de metralhadora e morre poucos metros adiante. Seu metralhador também atingido, fica no local, gravemente ferido. O Ten. Genito rasteja até o telefone, que se achava próximo e tenta de novo se comunicar com seu Cmte. de Cia. O soldado telefonista, ao passar-lhe o fone, é mortalmente atingido. O Sarg. Ferreira, diante da situação cada vez mais aflitiva, grita para o Ten. Genito: "Tenente, meus soldados estão morrendo e eu vou avançar sobre Fornelo, vou pegar à unha os bandidos!" Reúne seus homens ainda em condições de prosseguirem e avança, para cair ferido uns trinta metros adiante. O soldado metralhador Álvaro Gomes Santiago Sobrinho, um dos mais arrojados, cai morto ao lado do Sargento Ferreira. O Ten. Genito liga-se pelo telefone com o Cmte. de Cia., conta-lhe o que se passa, pede-lhe socorro para retirar seus homens e tenta mais uma vez localizar as metralhadoras, para orientar os tiros de morteiro. Neste momento recebe um tiro de fuzil que lhe atravessa de lado a lado o capacete de aço, produzindo profundo ferimento no couro cabeludo, sem entretanto atingir a parte óssea. Com a pancada violenta da bala e com o sangue a escorrer pela face, Genito nada mais vê e procura apenas se abrigar. Para isso resolve sair dali, dando ràpidamente dois lances para a esquerda e nesse momento é de novo atingido por uma rajada de metralhadora, que lhe rasga o uniforme, sem feri-lo, entretanto. Após várias peripécias consegue sair da zona de combate, sendo socorrido por uma família italiana, donde foi encaminhado ao Posto de Socorro do Regimento Sampaio e daí para o Hospital de Evacuação de Pistóia, onde foi operado. Recuperou-se em poucos dias e voltou ao seu Regimento, onde prosseguiu até o fim da campanha. A história do Ten. Genito do Carmo, esse valente paraense, que milagrosamente escapou vivo daquele inferno de fogo, que foi o ataque ao Monte Castelo, em 12 de dezembro, e a de seus heróicos companheiros, dizem bem do valor guerreiro de nossa gente. Foram homens dessa têmpera, que depois de feridos continuavam a lutar com mais denodo e, depois de exaustos, ainda faziam um derradeiro esforço, até serem ceifados pela morte; cuja serenidade e sangue frio não se perturbavam diante dos estrondos do canhoneio; homens que disputavam um lugar na vanguarda e partiam satisfeitos para desafiar o inimigo em suas tocas; foram homens dessa fibra que dobraram a resistência alemã e contribuíram de modo decisivo para a conquista da vitória aliada. Se numa guerra são indispensáveis os recursos materiais, entretanto é inegável que o elemento humano continua a ser o fator predominante. A mecanização dos meios de combate não chegou ainda a prescindir das qualidades morais do homem. A metralhadora mais moderna de nada vale se não tiver um pulso para manejá-la e uma vontade para dirigi-la. Após os grandes bombardeios de aviação e de artilharia, são ainda a coragem e a tenacidade que vencem no terreno. E felizmente essas qualidades morais não faltaram aos nossos homens, como vimos nas citações acima. O Brasil pode orgulhar-se dos filhos que o representaram no grande conflito mundial, lutando nos campos de batalha europeus. Eles se mostraram dignos herdeiros de seu passado militar e acrescentaram novas glórias à História de nossa Pátria.
Fonte: A Epopéia dos Apeninos - José de Oliveira Ramos
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