terça-feira, 7 de março de 2017

Seria este um soldado brasileiro?

Com o passar dos anos e a reprodução constante em livros e na internet é comum que uma imagem se desvincule de seu contexto. Esta famosa fotografia tem sido identificada como uma cena da rendição de Fornovo - o que é inquestionável. Dúvidas permanecem quanto à nacionalidade do homem que guarda os prisioneiros alemães. Nenhum veterano brasileiro jamais se apresentou como o combatente armado com um fuzil Browning visto na imagem.
A identificação de companheiros em fotos famosas era muito comum no ambiente dos veteranos. Ao longo do tempo, as pessoas que apareciam nas fotos mais conhecidas tinham seus nomes revelados.
Isto nunca aconteceu com o fuzileiro-atirador da célebre foto da rendição de Fornovo.
Atenção mais precisa à foto revela o uso de um field jacket modelo 1943, um tipo de vestimenta que o 5.o Exército Americano não forneceu aos brasileiros (alguns brasileiros obtiveram esta jaqueta, porém, ela é quase invariavelmente vista em pouquíssimos oficiais e alguns homens dos escalões de retaguarda). A M43 não era algo que se visse sendo utilizado pela Infantaria Expedicionária. Você duvida? Então ache este modelo de field jacket em outras fotos de infantes brasileiros.
Uma listagem da Intendência brasileira informa que cerca de dez mil jaquetas americanas foram fornecidas à FEB - todas do modelo "winter combat" ou os "old style field jackets".
O que mais pode ser visto na foto? A ausência do bipé do fuzil BAR. A prática de retirar o bipé desta arma era bastante disseminada entre os americanos, enquanto as fotos da FEB em que os BAR aparecem quase sempre mostram este suporte. Há elementos da imagem que são suficientes para levantar esta dúvida, mas toda boa crítica iconográfica não pode prescindir da conciliação de informações que o documento visual não revela. Isto é o que no jargão dos historiadores se chama de "crítica externa" de um registro.
O relatório sobre a entrega dos prisioneiros elaborado pela primeira seção do Estado-Maior da Divisão de Infantaria Expedicionária é um suporte importante para a elucidação das questões pendentes sobre esta famosa imagem.
Os prisioneiros alemães já aparecem desarmados e aguardando transporte para a retaguarda. O texto elaborado pelo EM brasileiro esclarece muito sobre a cena em questão: depois da deposição das armas e a condução em colunas de cem homens sob guarda brasileira, os prisioneiros alemães foram entregues ao 5.o Exército Americano, ali representado por unidades do Quartermaster Corps do Exército Americano. A fotografia registrou justamente este momento: os alemães já em mãos do Exército Americano, depois de desarmados e conduzidos pela tropa brasileira aos bivaques, de onde o 5.o Exército os transportaria para um campo permanente de prisioneiros de guerra situado em Modena.
Salva a ínfima possibilidade de um brasileiro fardado com uma M43 ter se colocado perante a câmera do fotógrafo, todas as circunstâncias presentes na imagem conjugadas ao suporte documental disponível, somadas ainda às informações sobre os elementos materiais visíveis, o que temos aqui é de fato um soldado americano, que por anos foi confundido com um combatente da FEB!


Matéria :César Campiani Maximiano
Foto: BARBUDOS, SUJOS E FATIGADOS.

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