segunda-feira, 29 de maio de 2023

Ferido em combate.


Memórias da Segunda Guerra na Itália, Expedicionário Raul Kodama.
Nascido em 1917, Raul Kodama foi um exemplo típico dessa miscigenação. Seu pai, Ryoichi Kodama, chegou ao Brasil em 1908, no primeiro navio vindo do Japão: o Kasato Maru.
Raul Kodama filho primogênito de Ryoichi Kodama tinha apenas 9 anos quando sua família veio para o interior de São Paulo na cidade de Presidente Prudente onde seu destino começa a ser traçado.
Ao pequeno Kodama foi ensinada somente a Língua Portuguesa. “Lembro que, quando criança, não sabia que era japonês. Não via diferença entre mim e os outros garotos", dizia ele. Mais tarde, quando foi matriculado numa escola frequentada por outros descendentes de japoneses, seus colegas lhe deram um apelido depreciativo (em japonês) relativo à sua mãe. O jovem ficou furioso quando descobriu o significado da palavra: "Eu quebrei a escola toda!", recordou.
Quando Kodama se tornou escoteiro e aos 22 anos já tinha feito o Tiro de Guerra e no começo de 1944 aos 28 anos ele foi convocado para a guerra.
Sobre ir para guerra Raul dizia:
Quando fui convocado, tinha acabado de conseguir um bom emprego. Primeiro eu tentei ser voluntário do Exército e não me aceitaram. Aí pensei: ‘quando eu quis, não me quiseram. Agora que estou bem, vou ter de ir para a guerra…’. Era injusto.
Mas não teve jeito. Minha família não se manifestou, eles moravam em Presidente Prudente e eu em São Paulo. Nem pensei em fugir. Não queria desertar por ser japonês. Se um japonês fosse embora, iriam dizer que todos os outros japoneses eram covardes.
A sorte é que não sofri por ser oriental.
Na Vila Militar do Rio de Janeiro, o coronel José de Souza Carvalho me tratava muito bem. Meu espírito foi preparado para a guerra.
Desembarcou em Nápoles-Itália onde seguiu para Livorno, Pistóia e Porreta Terme.
Kodama serviu na 2ª Bateria do III Grupo de Obuses 105 mm, Grupo Bandeirante.
Na Itália, eu distribuía munição para os soldados do meu batalhão.
"Quando chegamos à Itália, desembarcamos em Nápoles e depois fomos em barcaças para Livorno e de lá fomos para a linha de fogo, para o front. Já tínhamos recebido as viaturas todas e fomos de caminhão. Naquela época eu era motorista.
Cada Bateria tinha o seu caminhão; a gente não sabia nada sobre o itinerário, chovia muito à noite e não se enxergava nada. Tive a ideia de colocar uma toalha branca nas costas dos soldados, que iam em fileiras, permitindo-nos acompanhar com o caminhão a fileira e assim chegarmos ao acampamento."
Raul conta como foi ferido:
Acabei ferido em Porreta Terme. Fui levar soldados para tomar banho perto do acampamento, abasteci o caminhão e estava esperando para ir embora.
Nisso, começou o bombardeio, e um estilhaço de bomba acertou meu pé. Senti um calor, mas não senti dor. Um soldado que ia passando de jipe teve a cabeça decepada. Deitei-me e comecei a me arrastar até encontrar um lugar para me proteger.
Foi seriamente ferido por estilhaços de artilharia inimiga, que atingiram-lhe a perna, abdômen, tórax e braço.
Fui levado para Pistóia, e os médicos ficavam comentando se cortariam o meu pé, mas não foi preciso. No hospital de Nápoles, conheci outro nikkei, Kyossi Hirata.
Lá, usei do fato de ter feições japonesas a meu favor. Como os americanos tinham total liberdade e os brasileiros não, me fingi de descendente de japonês americano e andava livremente pelos cantos do hospital. 
Evacuado para tratamento nos EUA, retornou ao Brasil somente em 1946.
Raul contava ainda que:
Quando a guerra acabou, foi complicado. Voltei neurótico, brigava com todo mundo. Não tive problemas com os japoneses daqui quando cheguei. Se alguém perguntava, eu dizia que não tinha pedido para ir à guerra.
"Eu por exemplo, quando cheguei da guerra, a minha família pensava que eu estava louco. Eu ainda fui parar no Hospital das Clínicas, aqui em São Paulo, como louco, mas é porque a gente viveu aquilo tudo, aqueles horrores da guerra, então a gente perde aquele sentimento humano. Isso é conseqüência da guerra, que com o passar dos tempos a gente vai voltando ao normal.
Então, antes de me casar, eu pensava: como é que iria ser a minha vida. Eu não podia ficar no meio de muita gente, de multidão, que me dava vontade de quebrar, de bater, era uma certa neurose que com o tempo foi passando".
Raul Kodama sempre demonstrou orgulho de ser brasileiro, de ter servido ao Exército na guerra, e da mistura de raças característica do Brasil: "Meu capitão comandante de bateria era alemão, o coronel era português, e eu japonês", lembrava ele.
Em São Paulo no ano de 1958 casou-se com Alice Yoko Yoshime com quem teve dois filhos Nelson e Aristeu Kodama.
O pracinha conhecido por seu bom humor, e querido por todos, faleceu em 17 de Outubro de  2015 com  98 anos idade.

Fontes:
Raul Kodama
Ryoichi Kodama
MADE IN JAPAN
Navalha - Um batalhão brasileiro na Linha Gótica.
Site Força Expedicionária Brasileira. 

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