domingo, 14 de fevereiro de 2021

MP da FEB João Gueldini.

 O DIA EM QUE UM GUARDA-CIVIL SALVOU UM PRACINHA DA EXECUÇÃO POR NAZISTAS NA ITÁLIA E FOI MULTAD0....

Nascido em Leme, cidade do interior de São Paulo, em 10 de outubro de 1919, João Gueldini, filho de Tereza Nava e Pedro Gueldini, o 7º de 11 irmãos, foi mais um dos heróis de nossa gloriosa Força Expedicionária Brasileira. Já moço, como bom jovem, partiu para conquistar seu espaço no mundo. Em 1937, então com 18 anos, ingressou na Polícia Militar do Distrito Federal, no Rio de Janeiro (hoje, PMERJ), permanecendo por cinco anos na Instituição. Durante esse período serviu em Unidade Histórica daquela Instituição, que inclusive combatera na Guerra do Paraguai bem como no Regimento de Cavalaria. Após se desligar da PMDF, teve breve passagem pela Marinha Mercante, retornando ao Estado de São Paulo, instalando-se em sua Capital, trabalhando em uma padaria no Largo do Arouche, na área central. Em 1942 e 1943 participou da Corrida de São Silvestre, ainda durante a fase em que só atletas brasileiros competiam, conquistando, respectivamente, a 126º e 58º colocações. Em agosto de 1942, o Brasil declarou guerra ao Eixo (Alemanha nazista e Itália fascista), em decorrência dos vários afundamentos de navios mercantes brasileiros. Por vocação e voluntariamente, mesmo em período de guerra, no dia 07 de agosto de 1943, Gueldini ingressou na Guarda Civil Bandeirante, sendo designado como guarda de 4ª Classe durante o período em que cursou a Escola de Polícia. A recém-formada FEB- Força Expedicionária Brasileira necessitaria de uma tropa especial, um Pelotão de MP- Military Police (Polícia Militar) para fiscalização do efetivo brasileiro (e, secundariamente, dos demais Aliados), além de inúmeras outras funções específicas de Polícia em terras estrangeiras. A Polícia Militar da FEB estaria ligada diretamente ao Quartel General da 1º DIE- Divisão de Infantaria Expedicionária da FEB, da qual era parte integrante. No Estado de São Paulo, o segmento fardado responsável pela Segurança Pública era exercido pela Força Pública e Guarda Civil. Além das atividades policiais de rotina, a declaração de guerra exigiu atenção especial por parte das duas Instituições. Enquanto ambas cuidavam da defesa interna do Estado, o comandante da FEB, general Mascarenhas de Moraes (fora comandante da 2ª Região Militar em 1943- atual Comando da 2ª Região Militar, na Capital), solicitou ao Interventor Paulista (Governador do Estado) Fernando Costa, mais uma incumbência à Guarda Civil. A proposta versava sobre a formação de um Pelotão do MP- Military Police (Polícia Militar) da FEB, nos moldes da já consolidada MP norte-americana, com membros da Guarda Civil Paulista. Com efetivo de 4.051 homens, distribuídos em São Paulo, Santos e destacamentos em Campinas, Ribeirão Preto, Sorocaba e Bauru. Na prática, compunham-na pouco mais de 3.000 policiais. Voluntariaram- se mais de 700 guardas-civis para a realização dos rigorosos exames da junta médica, no Hospital do Exército, no bairro do Cambuci (ainda existente, no mesmo local). João Gueldini foi um dos 80 selecionados, que comporiam a Polícia Militar da FEB. O Pelotão de Polícia Militar, após treinamento na cidade do Rio de Janeiro, embarcou com o 1º Escalão da FEB em 02 de julho de 1944. Nesse primeiro grupo foram mais de 5.000 guerreiros transportados pelo navio americano General Mann. No total, cinco Escalões levaram aproximadamente 25.500 pracinhas à Itália até o início de fevereiro de 1945, lutando ao lado das Nações Unidas, durante a II Guerra Mundial. “Pracinha” era o termo carinhoso pelo qual os brasileiros chamavam os integrantes da FEB. A Polícia Militar da FEB, única tropa composta exclusivamente de voluntários, durante o deslocamento do General Mann, pelas perigosas águas do Atlântico, foi a única tropa brasileira a trabalhar a bordo do Mann. Aos membros do “MP” permitia-se a circulação sobre o convés do transportador, pois os demais pracinhas só podiam sair dos apertados alojamentos quando autorizados (durante alimentação, em esquema de rodízio, em treinamentos sobre ataque do inimigo ou afundamento do navio por submarinos alemães etc.). O 1º escalão da FEB aportou na destruída Nápoles- Itália no dia 16 de julho de 1944. O soldado Gueldini, do MP- Military Police, já na Itália, após 2 meses de serviços em pontes e outras atividades, foi transferido à Cia de Comando e Serviço do Quartel General da FEB, servindo no EM -Estado- Maior. Poderíamos supor que sua nova função fosse mais tranquila, mas não o era. Como geralmente os guardas-civis eram motoristas experientes, pois realizavam o policiamento ostensivo com viaturas em São Paulo, nosso protagonista recebeu um Jeep como carga. Tinha a incumbência de transportar os oficiais superiores (majores, tenentes-coronéis e coronéis) para o limite máximo da linha de frente, em contato direto com o inimigo. Tais oficiais do EM colhiam informações e as retransmitiam ao Estado- Maior, que, após análise, estudavam as melhores estratégias para o avanço de nossas tropas. Após período de adaptação e treinamento de nossos soldados em terreno italiano, o dia 15 de setembro de 1944 marcou o início efetivo da luta dos brasileiros contra o nazifascismo. 05 de novembro de 1944. Como de costume, o soldado Gueldini preparou sua viatura Jeep para uma nova missão. Conduziria dois oficiais superiores do II Batalhão do 6º Regimento de Infantaria (hoje, 6º BIL- Batalhão de Infantaria Leve, com sede em Caçapava-SP). Eles fariam o levantamento de determinado setor de batalha. Chegando ao ponto de observação, os oficiais desembarcaram da viatura e foram analisar o terreno. Encostaram bem próximos a três blindados americanos, que, ininterruptamente, “cuspiam fogo” sobre as posições germânicas, protegidas por casamatas (abrigo subterrâneo fortificado), distantes em torno de 400 metros. Tudo que se movimentava era agraciado com os projéteis lançados pelos tanques ianques. Acompanhava aquele show pirotécnico o soldado João Gueldini. Em um dos disparos contra as posições nazistas, após a poeira baixar, literalmente, notou uma debandada de alemães, que fugiam para não serem outra vez molestados pelos disparos. João, como bom “Polícia”, curioso e inquieto por natureza, foi averiguar o que seu “tirocínio” dizia. A pé e sem autorização, sacou do coldre a pistola Cal. 45, arma padrão dos membros do MP-Military Police. Com seus sentidos aguçados, correndo, foi se aventurar na “terra de ninguém”, área inabitada entre os opositores mortais, desviando-se das crateras anteriormente produzidas pelas bombas. Batimentos cardíacos mais fortes... O suor não respeitou o frio do outono europeu. 100 metros avançados e progredindo no terreno... 250 metros... E o som interminável dos gigantes de aço, vociferando a morte. 350 metros... Talvez pensasse na distante e interiorana Leme, sua Terra Natal, ou de papai e seus conselhos, dos irmãos, de Dona Teresa... Naquele momento era apenas uma máquina de guerra, um brasileiro contra os nazifascistas, um animal racional feroz prestes a abater suas presas! 390 metros... A casamata atingida há poucos passos. A pistola, extensão de seu corpo. Olhos atentos, pupilas dilatadas. O cheiro de pólvora e de carne queimada do pútrido ar. O silêncio, momentâneo, ao mesmo tempo ameaçador e ensurdecedor. O que fora uma casamata está agora com ferros retorcidos, concreto em ruínas e coberto por um pó enegrecido. Adentrou... Encontrou uma cena pavorosa. Coberto de poeira viu (pelas insígnias) um oficial ou suboficial alemão muito ferido. A seu lado, outro alemão, em idêntica situação, ensanguentado, porém, morto. Agora a surpresa. No canto da casamata estava um pracinha, vivo, sem ferimentos, porém, amordaçado. O prisioneiro, ao ver a presença do soldado Gueldini, imagem salvadora, começou a gritar que era brasileiro, do 6º RI. A “sortuda vítima”, na noite anterior, quando em patrulha, fora capturado pelos germânicos. Permanecera durante a noite e o dia amarrado, ao lado de seus algozes. Para desespero do “soldado sequestrado”, os nazistas encobriram-no totalmente com óleo, certamente, não com boas intenções, mas com o propósito de queimá-lo... Com certeza, o pracinha preso ficou muito assustado com a bomba que atingiu a casamata, não morrendo por milagre. Aliás, outros obuses poderiam novamente atingir o local em que se encontrava inerte, o que poderia causar sua morte com a explosão ou mesmo torrado pelo óleo. Após libertar aquele pracinha, passou a cuidar dos ferimentos do tedesco (nome pelo qual os pracinhas brasileiros chamavam os alemães), providenciando-lhe socorro. Em agradecimento, o alemão ferido o presenteou com uma pistola belga, calibre 22. Em regra, os soldados brasileiros, e, em especial, os Polícias, como eram chamados os MP-Military Police, tratavam os prisioneiros de guerra de acordo com os princípios estabelecidos na Convenção de Genebra. O soldado Gueldini ainda recolheu um fuzil alemão com luneta, provavelmente, utilizado por um “sniper” germânico. Nosso protagonista, ao retornar na posição dos tanques americanos, o major brasileiro, um dos oficiais que transportara para o front, advertiu-o, pois, se deslocou sem autorização e sem o devido apoio, invadindo terreno inimigo, colocando sua própria vida em risco. No dia seguinte, 06 de novembro de 1944, nova missão. Transportou para a fronte o então tenente-coronel Humberto de Alencar Castelo Branco (futuro general e Presidente do Brasil) e o major Luiz Tavares da Cunha Mello (futuro general de brigada do Exército). Em Valpara, próximo de Monte Castelo (ponto da famosa conquista brasileira, que tanto vitimou nossos soldados), por volta das 15h, granadas de 88 milímetros foram lançadas pela artilharia nazista contra seu Jeep. Estilhaços de uma delas caíram ao seu lado, atravessaram o assoalho da viatura, atingindo gravemente seu braço e perna esquerdos. Com o forte deslocamento do ar teve sangramento pelos olhos, ouvidos e nariz. Momento de pânico, e as bombas insistentes. Como os oficiais não eram familiarizados com a condução daquele tipo de veículo, que requeria habilidade especial, conduziu-o com muita dificuldade apenas com o braço direito. Alcançou à distância um hospital americano de campanha, salvando os oficiais, que se feriram levemente. Com a grande perda de sangue, desmaiou, permanecendo desacordado por seis dias. Sobre esse fato, também uma grande aventura, será relatado em outra oportunidade. Como ficou desaparecido pelo comando da FEB, acabou realizando parte do tratamento médico em Miami- EUA. Retornou para o Brasil após o final da guerra, em 1945, passando primeiro por Natal- RN e depois pelo Rio de Janeiro-RJ. Na Vila Militar, na Cidade Maravilhosa, recebeu inúmeras condecorações: 1. Diploma por Ferimento em Ação: sofridos em ação, no dia 06 de novembro de 1944, em Volpara, na Itália, assinada pelo então general Mascarenhas de Moraes, comandante da FEB. 2. Medalha de Campanha: por ter, como integrante da Força Expedicionária Brasileira - FEB, participado por ações de guerra no Teatro da Itália, assinada pelo então Ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra (próximo Presidente eleito do Brasil, em 1946); e 3. Medalha Sangue do Brasil: pelos ferimentos no Teatro de Operações de Guerra, na Itália, em 06 de novembro de 1944, assinada pelo então Ministro da Guerra, general Canrobert Pereira da Costa. Mais uma surpresa aguardava o soldado Gueldini durante a Solenidade. O coronel Castelo Branco e o tenente-coronel Cunha Mello, recém-promovidos, reconheceram-no e muito festejaram por sua vida. Graças a sua perícia ao volante (durante o bombardeio ao Jeep em que eram transportados, no dia 06 de novembro de 1944), suas vidas foram salvas. Cunha Matos guardara o fuzil alemão e a pistola belga, pois imaginou por um tempo que o “Polícia” estivesse morto (tanto que foi parar nos EUA para tratamento). Aproveitou a ocasião para devolver os armamentos ao seu legítimo dono, o soldado Gueldini. Em consequência dos graves ferimentos sofridos em combate, já no Brasil, no dia 25 de março de 1946 foi considerado inapto para o serviço policial, sendo, compulsoriamente, aposentado, no cargo de Subinspetor da Guarda Civil. Em 1970, já com os efetivos da Força Pública e da Guarda Civil somados na Polícia Militar Paulista, alcançou o posto de 2º tenente da PMESP. 35 anos após o término da guerra, 1980, o 2º tenente PMESP João Gueldini doou o fuzil alemão (aquele apreendido no dia 05 de novembro de 1944, no interior da casamata) ao 2º BPChq- Batalhão de Choque, Unidade que carrega o DNA daqueles bravos formadores do MP- Military Police. Trata-se de um armamento modelo 98K, nº 50.914, da Divisão Von Rommel. Hoje o fuzil alemão, emoldurado em vidro, abrilhanta a Sala do Comandante do 2º BPChq, sob o olhar atento da Galeria de ex- Comandantes do Batalhão, estando, no ponto mais alto, em destaque, a imagem do marechal Mascarenhas de Moraes, comandante da FEB. O militar empresta seu nome à Unidade: 2º BPChq- “Marechal Mascarenhas de Moraes” Os integrantes do Pelotão da Polícia Militar da FEB foram à gênese da criação da PE- Polícia do Exército, tradicional organização do EB- Exército Brasileiro. Por fim, logo que voltou dos EUA, após tratamento médico em Miami-EUA, o soldado João Gueldini foi receber os salários atrasados a que tinha direito. Acumularam-se, pois era dado como extraviado (desaparecido) em combate. Ao sacar o valor, observou que havia um desconto, de montante razoável para a época. Durante a Segunda Guerra Mundial, excepcionalmente, quando os militares cometiam alguma transgressão disciplinar não sofriam medidas privativas de liberdade (prisão). Em contrapartida, era descontado de seu salário um determinado percentual, conforme a falta. Lembrou-se do dia 05 de novembro de 1944, quando esteve sozinho na casamata germânica, “sem autorização superior, colocando sua própria vida em risco”. Em decorrência de sua heroica ação, salvando um brasileiro e, humanitariamente, cuidando de um tedesco ferido, fora multado por ter se afastado do posto, sem autorização! Casou-se, em 1948, com Dona Angelina Deffende Gueldini, estabelecendo-se no bairro da Freguesia do Ó. Tiveram 5 filhos e 5 netos. Faleceu em 19 de maio de 2001, com 80 anos, sepultado no Cemitério de Saudade, em Guarulhos, cidade da Grande São Paulo. Dona Angelina se juntou a ele como uma estrela no céu... Sem dúvidas, a vida desse combatente poderia ser contada pela película de algum longa-metragem, valorizando a coragem, honra, o dever e o heroísmo de nossa gente brasileira.

João Gueldini
Diplomas recebidos.
Matéria do Tenente- Coronel da PMESP 
Sérgio Marques.

Um comentário:

  1. Lembro vagamente do "Seu João", assim era chamado lá na rua, uma travessa da Rua Cajati, o Pai do Ney, eu morava de frente a casa dele, na casa de meus avós, Octavio e Lídia, brincávamos na rua eu, meu primo Leonardo, o Sidiney, que é filho do Sr João e outros, lembro que quando meu Avô faleceu em 1973 fiquei boa parte do dia na casa do Ney, reencontrei o Ney um tempo atrás na firma de meu primo, estamos com a mesma idade em torno de 57 anos, boas lembranças daquela época, um dos filhos do Sr João é o Reinaldo Gueldini que foi jogador do Flamengo e outros times e também técnico no México se não me engano, não conhecia essa historia, achei muito interessante.

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