domingo, 22 de novembro de 2020

Thunderbolt depenado.

 P-47 depenado!

27/janeiro/1945
Casarsa, nordeste da Itália, a 410 km de Pisa
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Mais um dia gelado e de céu azul. A cinco mil pés, os P-47 da FAB oscilam suavemente ao ritmo das turbulências, com as hélices marcando círculos amarelados. Em seus cockipts os pilotos não conseguem discernir se o sol esquenta ou esfria ainda mais a cabine; e a intensa claridade obrigam-nos ao uso constante de óculos com lentes escuras.
A Esquadrilha Amarela está empenhada naquilo que os Jambocks mais gostam de fazer: atacar alvos de oportunidade. Voando em pares, os P-47 se protegem mutuamente e atiram em tudo o que se mexe sobre rodas. 
O Tenente Dornelles, no P-47 código B4, voa um pouco à frente e acima do P-47 código A6 do Tenente Canario, olhos atentos varrendo as colinas e vales cobertos de neve.
Súbito uma voz grita no rádio: “veículo às 4 horas, saindo rápido!”. Um semi track de 8 ton. Sd.Kfz, provavelmente flakvierling, pois está coberto com encerado. Se for mesmo é preciso agir rápido. Dornelles manda o A6 pra cima dele e o Thunderbolt quebra imediatamente a formação, mostrando seu volumoso ventre cinza claro.
Canario não perde tempo e atira uma primeira salva, cujas balas se perdem numa colina próxima. Dornelles, por sua vez atira, mas o motorista do caminhão derrapa habilmente numa curva e consegue escapar. De novo, Canario em posição e ainda mais baixo, atira uma longa salva atingindo em cheio o veículo que estoura como uma granada, numa explosão seca e repleta de estilhaços.
Fascinado pelo espetáculo e sem perceber, seu P-47 voa ao encontro de uma chaminé. No último instante ele enxerga o obstáculo e gira desesperado, tentando tirar a asa do caminho, mas é tarde demais. 
No cockipt, o piloto sente o impacto como uma chicotada que reverbera nos pedais, sentida nos pés e pela mão enluvada que segura o manche. 
Devido à formidável inércia e massa, o avião derruba a construção em meio a uma nuvem de fumaça, tijolos e pedaços de alumínio e sai do outro lado, rolando como se fosse entrar num tonneau. 
Por um breve segundo, Canario fecha os olhos preparando-se para o pior, mas agindo quase por instinto acelera e cabra ligeiramente o manche, levantando o nariz do avião. É preciso evitar que o P-47 se volte sobre o dorso. 
Após retomar o controle, Canario perplexo, observa que onde deveria existir estrutura do avião, agora enxerga o solo deslizando lá embaixo. Falta-lhe quase um metro e trinta de asa! 
Dornelles emparelha ao seu lado e, de queixo caído, vê pedaços de metal balançando e escapando pelo ar. Incrivelmente o Thunderbolt continua voando, graças a perícia do seu piloto!
Crispado nos comandos do danificado avião, Canario luta para manter o equilíbrio, enquanto Dornelles imagina o melhor rumo para o retorno. “Vamos pelo Adriático”, grita ele pelo rádio. 
O P-47 danificado vibra, oscila, mas mantem-se nivelado apesar de tudo. Os dois aviões sobrevoam Veneza e seguem para o sul, evitando uma área de proteção antiaérea.
O voo prossegue relativamente bem, até as imediações de Chioggia quando, então, as coisas se complicam. Dois caças cruzam e atacam os aviões brasileiros. Impossibilitado de fazer qualquer manobra brusca, Canario permanece no seu nível de voo, enquanto Dornelles faz frente aos atacantes mostrando os dentes. 
Mas que merda é essa? São Spitfires da RAF! Ao perceberem o equívoco, os ingleses balançam as asas em saudação e afastam-se em direção ao continente. Caramba! 
Passado o susto, Dornelles volta à posição de fiel escudeiro prosseguindo em formação.
Já próximo à Pisa, o tempo aberto no início da manhã deu lugar a uma cobertura 3/8, dificultando a visualização de solo. Diante isso, Dornelles pede a Canario para manter-se em altitude, enquanto ele desce para obter auxílio e instruções à torre. 
Contudo, esgotado e pressionado pelo longo e angustioso voo, Canario se precipita e desce juntamente com o líder, a quem só resta orientar o A6 para uma aproximação reta.
Quando tudo parecia que ia dar certo, a torre ordena para afastarem-se e fazer mais um circuito. Um P-61 Black Widow americano, ainda em piores condições, estava com prioridade! 
Irritado, Canario imagina o que poderia ser mais prioritário do que um P-47 sem asa! Mas, não teve jeito. Fazendo curvas quadradas e tensas, se arriscando à eminente perda de sustentação, ele executa mais um circuito e, finalmente então, coloca as rodas do depenado Thunderbolt no chão. 
Seu P-47 não o abandonara.

por Joaquim Domingues

Em homenagem ao Tem.Raymundo da Costa Canario, o quadro original do Thunderbolt foi doado pelo Roberto Celegatti e Joaquim Domimgues  (Contos do Céu) à sua filha Zulmira C anario Pope moradora na Barra da Tijuca RJ.

"Thunderbolt depenado" Essa maravilhosa aviation  Art foi produzida pelo artista  Roberto Celegatti, especialmente para essa publicação. 

Roberto Celegatti, autor da aviation art, é Sub oficial da Força Aérea Brasileira.Formado em 1988 pela EEAR - Escola de Especialista de Aeronáutica  que forma o pessoal  técnico  da FAB, Celegatti  trabalhou na Divisão de Ensino da seção  da Académica  da Força Aérea em Pirassununga.Desde 2011 faz parte da reserva da FAB.

Como dois velhos camaradas de armas , o A6 e o B4 agora descansam nas instalações do MUSAL no Rio de Janeiro .
Se pudessem falar ....Foto  gentilmente cedida pelo Waldemar Azevedo.

Tenente  Raymundo  da Costa Canario.

Os danos no A6 examinados pelos mecânicos.
Esse P47 é o serial 44-19663.Sobreviveu a guerra e veio para o Brasil.
O Thunderbolt  A - 6, com o saudoso Brigadeiro Lauro Ney Menezes. 

Matéria: Conto do Céu. 

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