terça-feira, 21 de junho de 2022

Jacob Gorender, jornalista e historiador, lutou na Itália

Meu pai era um homem muito pobre e minha mãe também. Eles se uniram já um tanto idosos, com 33 anos e tiveram cinco filhos. Hoje são vivos eu e um segundo. Os outros três faleceram... Meu pai era um homem muito pobre e, apesar de judeu, não sabia fazer dinheiro. Eu passei uma situação muito difícil na infância e na adolescência. Foi difícil estudar. Eu não tinha roupa para frequentar o ginásio. Usava um tênis de última qualidade, furado às vezes. Eu botava um papelão em cima do buraco para poder andar. Comecei a me estabilizar quando me tornei jornalista e passei a ganhar algum dinheiro. Com isso a minha situação começou a ficar estável, pois eu já não dependia da família. Eu devia ter então uns 17 anos. Eu estava no ginásio da Bahia, depois eu sai e fui aluno da Faculdade de Direito até o quarto ano. Aí eu fui para a FEB, fui soldado da FEB e a minha vida deslanchou.
Eu me incorporei em Salvador como voluntário. É preciso compreender o contexto daquela época. Os submarinos alemães torpedearam navios mercantes brasileiros e centenas de brasileiros morreram nesses naufrágios. Isso gerou uma indignação muito grande e eu participei das manifestações em Salvador, onde eu residia. Manifestações contra o Eixo e pela declaração de guerra, o que acabou ocorrendo. Getúlio Vargas, presidente do Brasil, acabou declarando guerra. Aí abriu-se o voluntariado em vários lugares do Brasil. O que ocorreu, um episódio curioso, o general que comandava a região de Salvador – eu me lembro o nome dele: general Demerval Peixoto – fez o seguinte desafio: "Os estudantes que pediam guerra, declaração de guerra tem agora a oportunidade de se apresentar como voluntários". Eu considerei isso como um desafio pessoal e resolvi me apresentar. Fui ao quartel-general e me apresentei e acabei aceito. Já em Salvador fui incorporado e fui transferido para São Paulo, onde fiz algum treinamento. Depois fui transferido para a Itália.
Na época, eu já era do Partido Comunista. Ele estava meio desagregado naquela época por causa da repressão. Militei com Mário Alves – ele não foi incorporado porque não tinha condições físicas (Alves foi um importante dirigente do PCB e acabou assassinado durante o regime militar). O fato de eu ser comunista – o prestígio da União Soviética, que estava em guerra contra os nazistas – pesou na minha resolução. Quando chegamos à Itália já havia brasileiros em combate. Eu era da companhia de transmissões do 1º Regimento de Infantaria. Nosso comandante era o coronel Caiado de Castro, mais tarde chefe do gabinete militar de Getúlio Vargas. Eu era um simples soldado. Não fui mais do que isso. Era do pelotão de transmissões. Particularmente a minha tarefa e a da equipe a qual eu pertenci era de zelar pelos fios de transmissão, que, como o front estava estabilizado, eram rompidos por granadas. Às vezes éramos obrigados a sair da cama, nós estávamos na casa da camponeses italianos, para consertar o fio. Isso era uma tarefa penosa e perigosa, pois ficávamos expostos à agressividade da artilharia nazista.
O fato de ser judeu não tinha para mim nada de especial. Eu convivi como soldado igual aos outros. Não teve influência nem positiva nem negativa. Mas eu tinha uma noção de que se eu caísse nas mãos dos nazistas, eles facilmente saberiam que eu era judeu, circunciso, e eu estaria perdido. Não tinha jeito.
Morreu após um mês de internação na UTI do Hospital São Camilo, de infecção, em 11 de junho de 2013
Matéria:
Edison Veiga e Marcelo Godoy,
26 Agosto 2012.
O Estadão

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