Páginas

segunda-feira, 2 de março de 2015

Cabo Geraldo Santana: Uma carta de pai para filho

"Este ano, coloquei-me na missão de pesquisar a respeito do meu único conterrâneo a morrer em combate na Segunda Guerra Mundial, Cabo Geraldo Martins Santana, que neste 2013 faria 90 anos de idade. Seu irmão caçula foi bastante gentil comigo, cedendo uma grande quantidade de documentação, que hoje está no arquivo da Sala de Guerra.
Entre a documentação que recebi, uma carta me chamou a atenção. Emocionei-me muito da primeira vez que passei os olhos sobre este documento, perdido há quase 70 anos. As palavras nele contidas são as angústias sinceras de um pai entregando a vida do filho à nobre causa da defesa da Pátria – fato que o destino consumou apenas 13 dias depois.
Geraldo Santana morreu em combate em 9 de novembro de 1944, sem nunca ter recebido esta carta; e é muita sorte que uma cópia tenha sobrevivido até nossos dias. Todos a quem mostrei este documento são unânimes em dizer que jamais viram algo semelhante sobre FEB. É um testemunho de abnegação e dever patriótico que vai acima do amor familiar – quando o Sr. Antônio Santana despede-se do filho e pede-lhe para não sentir medo da morte.
Sentindo-me no dever de compartilhar esta carta com todos vocês, faço dela, finalmente, imortal:"
Montes Claros, 28 de outubro de 1944
Querido filho Geraldo:
Saudades…
Recebi do Quartel-General do Rio de Janeiro comunicação que foste incorporado à Força Expedicionária Brasileira.
Não foi pra mim nenhuma surpresa, porque o soldado está sempre sob as ordens dos seus superiores e deve acatar essas ordens com todo o respeito.
Foste incorporado porque era necessário que a Pátria insultada respondesse à agressão dos corsários Nazistas que agiram debaixo de espesso nevoeiro, matando nossos irmãos.
Aqui, em casa, todos receberam com imenso orgulho essa notícia. Filho, jamais surja em teu cérebro o pensamento de um homem covarde. Seja firme no cumprimento do dever, principalmente quando a nossa Pátria foi traiçoeiramente atacada pelos vilões de além-mar.
Não importa que o intenso inverno dificulte a nossa marcha ou que o sol abrasador faça demorar o avanço, o certo é que precisamos chegar até o fim do nosso itinerário ombro a ombro com as FORÇAS ALIADAS.
Ainda me recordo daquela bela poesia que diz em uma de suas estrofes:
Para a frente que importa a invernada,
Temporal, inclemência de sois.
Quem for fraco, que fique na estrada,
Que a vanguarda é o lugar dos heróis.
Pedimos a Deus para conservar tua pessoa ilesa das balas assassinas dos Nazistas; porém, se for do agrado do Altíssimo que o teu corpo tombe no campo de batalha, para que muitos outros vivam, seja feita a vontade de Deus.
O ataque deve ser repelido embora sucumbam alguns dos nossos. Que papel faríamos se permanecêssemos de mãos cruzadas quando o inimigo comum tentou ultrajar a nossa soberania?
Seremos por ventura alguma estátua onde o sangue não circula?
É legal trair nossa tradição?
Não, isto não.
Dos túmulos de Caxias, do Tenente Antônio João, de Camisão e outros mais, ouviríamos o grito da dor do insultado dizendo-nos:
Irmãos, hoje mais do que nunca o Brasil precisa vingar os seus filhos.
Levai em resposta à agressão a esses Nazistas o brilho de uma baioneta empunhada para que os nossos sejam vingados.
E, assim, acalmarão as ondas tempestuosas do mar furioso, e a bonança reinará para todos os povos do mundo, que foram vítimas dos sutis ataques do Eixo.
Portanto, filho, não queiras ter maus pensamentos e jamais haja em tua pessoa o desespero.
Seja também calmo. Porque todos nós temos que morrer um dia; logo, é desnecessário e mesmo indecente o desespero.
Muitos se enganam com a morte.
Ela não causa assombro a ninguém, porém enobrece a muitos. Se for preciso, morre em honra da Pátria e viverás eternamente. A tua lembrança ficará sempre conosco.
Um conselho: conserve sempre a tua fé em Deus e jamais a deixe seduzir por outrem. Todos nós estamos indo bem graças a Deus.
O que sentimos são saudades tuas, mas esperança de que em breve estarás aqui em Montes Claros conosco.
Terminando, pedimos a Deus por tua pessoa e pela honra e glória do Brasil e o cabal êxito da FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA.
Queira aceitar a benção de teu pai e os abraços que teus irmãos, tias e cunhados lhe mandam.
Teu pai,
Antônio Martins de Santana Primo 



O túmulo de Geraldo Santana no Cemitério Militar Brasileiro de Pistoia, que abrigou seus corpo entre 1945 e 1959. 

Blog Sala de Guerra
Foto: Mario Pereira.

8 comentários:

  1. SOLDADOS BRASILEIROS FORAM PARA FAZER A HISTORIA E QUEM NÃO VOLTOU É A PRÓPRIA HISTORIA.

    ResponderExcluir
  2. Ola Jair.
    Obrigado pela visita.
    Concordo plenamente.
    Forte abraço
    Henrique Moura

    ResponderExcluir
  3. Este soldado se parece muito comigo e meu pai meus tios também. Até arrepiei quando vi a foto pq estava procurando coisas da segunda guerra e procurando mais sabedoria sobre a FEB.. E então quando vi a foto notei algo muito familiar. Que Deus o tenha e seu pai também fiquei muito admirado o lado patriota do pai que exemplo, então enfim que Deus sempre abençoa nossos heróis que lutaram pela nossa Pátria isso me motiva muito.. um grande abraço grande história enche os olhos d água de qualquer Guerreiro..Marcelo Marques

    ResponderExcluir
  4. O irmão dele, foi meu professor de história. O professor Pedro Santana, falava do irmão e se emocionava... Contava que era inverno e o irmão ao pisar no gelo, fez barulho, denunciando sua posição, quando foi alvejado. Tenho orgulho deste meu conterrâneo!

    ResponderExcluir
  5. Comovente! Vou traduzir em Italiano para ler em uma das solenidades para memoria eterna do cabo Gerardo Martins Santana, de' um abraco da Italia ais familiares deste grande Heroi!

    ResponderExcluir
  6. Grande herói brasileiro, o seu exemplo de amor à Pátria será inspiração para as gerações de hoje e do futuro.

    ResponderExcluir
  7. História emocionante e muito linda..um jovem garoto c coração de gigante...combateu o bom combate....e hj vive c Deus.....abraço Á todos...

    ResponderExcluir
  8. Comovente a história do ex-combatente Geraldo Martins Santana, tombado nos campos da Itália, em defesa da honra e da liberdade de um povo, numa guerra odiosa, ceifando a vida de milhares de inocentes, tudo pela vaidade e demonstração de força, levando vários países a uma guerra catastrófica. Que as conquistas com o sangue dos bravos soldados da FEB jamais sejam esquecidas, pois elas simbolizam a pujança de uma raça, a liberdade e o valor de um povo. Emocionante a carta do senhor Antônio Martins de Santana Primo para seu filho. Uma robusta e justa homenagem com a construção de um monumento erguido em seu nome. A população de Montes de Claros está de parabéns pela homenagem prestada a esse glorioso filho e imortal herói!

    ResponderExcluir