Em 26 de abril de 1945, na localidade de Bibiano, o capitão de artilharia Fernando Pedra Padron tira a foto ao lado em um estúdio fotográfico. Nela é possível distinguir o símbolo da 1º Divisão de Infantaria Expedicionária costurado no uniforme do capitão. É possível também ver o seu tímido sorriso que, certamente, escondia uma alegria muito maior: o 3º Grupo de Obuses da Força Expedicionária Brasileira passava por aquela localidade em rápido deslocamento em direção as tropas alemãs que batiam em retirada pela Itália, após a ofensiva de primavera, iniciada pelos aliados em 14 de abril de 1945. Porém, apenas há alguns meses atrás, Padron estava no Brasil aguardando o dia em que seria enviado para a Itália.
As 8hrs da manhã do dia 23 de novembro de 1944, parte do Rio de Janeiro o transporte de tropas General Meighs levando consigo parte do depósito de pessoal da Força Expedicionária Brasileira. Este mesmo transporte já havia anteriormente servido ao Brasil: levou o 2º escalão da Força Expedicionária Brasileira, composto pelo 11º Regimento de Infantaria e que, a esta altura, realizava suas primeiras manobras em combate em solo italiano. Naquela ensolarada manhã despedia-se da terra natal o capitão de artilharia Fernando Pedra Padron, que juntamente com outros milhares de homens, havia embarcado no navio transporte no dia anterior.
A viagem transcorreu de forma tranqüila e o capitão ficou responsável pelo entretenimento aos soldados dentro do navio. Era sua missão organizar festas e shows para manter os soldados entretidos e diminuir os confrontos pessoais que poderia haver em espaços limitados com enorme concentração de homens. Para o capitão a atividade foi cumprida com louvor durante toda a viagem, diminuindo drasticamente o trabalho dos soldados responsáveis pela segurança do navio. De fato, em seus anos como militar Fernando Pedra Padron havia aprendido uma regra muito simples: “ordem dada é ordem cumprida”.
Padron inicia seus estudos na Escola Militar do Realengo em 1932. Desde os tempos do Colégio Militar já nutria amor pela arma de artilharia. Seu pai, também militar, servia nesta arma e Padron nunca teve dúvidas em qual segmento das armas deveria servir. Ele estava convicto: se não pudesse seguir a carreira de artilheiro, pediria o desligamento da escola militar e se tornaria um civil. Abençoado foi pelo seu estudo e em 29/12 de 1934 foi declarado Aspirante a Oficial. A imagem ao lado é de Padron na época em que cursava a escola do Realengo. No inicio de janeiro de 1935 Padron é deslocado para o 5º Grupo de Artilharia de Dorso em Curitiba onde serviria a partir de então. A partir daí, Padron seguiria por várias cidades do Brasil e em outubro de 1942 foi promovido a capitão. A esta altura o capitão havia se casado e tinha dois filhos.
Em julho de 1943 Padron é matriculado na Escola de Artilharia de Costa na Fortaleza de São João, Rio de Janeiro. È lá que em outubro de 1943 ele toma conhecimento que foi designado ao Grupo Escola de Artilharia onde sua função seria motorizar o grupo que havia sido designado como parte da Força Expedicionária Brasileira. Neste período, o Exército está passando por grandes transformações graças ao anuncio de que o Brasil enviaria uma força expedicionária à guerra. Por sermos aliados dos americanos, deveríamos equiparar o nosso exército ao deles. Isto significava receber novas armas, instruir todo o pessoal dentro dos novos parâmetros táticos e organizacionais, além de abandonar uma característica do nosso exército: na década de 1940 a maior parte da artilharia brasileira era hipomóvel, isto é, os canhões eram tracionados por cavalos. A missão de Padron era exatamente esta: transformar uma unidade hipomóvel em motomecanizada em pouquíssimo tempo. Era necessário formar motoristas e mecânicos.
Em maio de 1944 Padron é transferido para o Depósito de Pessoal (DP) da FEB, em Pindamonhangaba onde também fica como oficial responsável pelo transporte. Sua missão é transformar 100 soldados 11º Regimento de cavalaria, que haviam sido transferidos para o DP (Depósito de Pessoal) em motoristas. E foi assim que, alguns meses depois, Padron recebeu a noticia de que seria embarcado para a Itália com o DP.
Na Itália, todo o contingente do DP foi estacionado em Stafolli, campo situado a 90km de Livorno. Lá Padron continuou como Oficial de Transportes e tinha ao seu comando os 100 motoristas treinados no Brasil e viaturas de diversos tipos a disposição. A cada dois dias Padron era enviado a Livorno para cuidar de suprimentos, munição, roupas e peças sobressalentes para reparar as viaturas que estavam à cargo do DP. Também era responsável pela agenda de transportes de oficiais e soldados as Escolas de Aperfeiçoamento instaladas na Itália e pelo transporte de soldados enfermos ao hospital de Livorno, já que a ambulância responsável por este transporte estava sempre em reparos.
Em março de 1945 o General Cordeiro de Farias, comandante da Artilharia divisionária, teve noticia de que havia aproximadamente 38 oficiais artilheiros no Depósito de Pessoal que estavam encarregados com outras funções que não a artilharia. O General dirigiu-se até Stafolli para levar estes oficiais até o front e distribuí-los entre os 4 grupos de artilharia da FEB. Ao saber da visita do general, Padron imediatamente o procura para uma conversa, pois não havia sido selecionado entre estes oficiais. Após a recusa do general disse o capitão: “meu General, por favor, me leve para a linha de frente pois eu vim para a Itália lutar e não para ficar depositado.”[1] Alguns segundos depois Cordeiro de Farias respondeu afirmativamente a Padron, ordenando que ele se preparasse para partir no dia seguinte.
Padron foi designado ao 3º Grupo de Artilharia da FEB, comandado pelo tenente coronel José de Souza Carvalho. A artilharia brasileira era composta de quatro grupos de obuses e armada principalmente com peças de 105mm. A exceção era o 4ª Grupo de Obuses (GO) composto por peças de 155mm. Cada grupo possuía 12 peças, dividido em 3 baterias de quatro canhões cada.[2] Cada Grupo, comandado por um tenente coronel possuía o seu Estado-Maior e oficiais que serviam junto aos batalhões da infantaria, chamados oficiais de ligação. A artilharia brasileira era formada por grupos recém criados tanto no estado do Rio de Janeiro quanto em São Paulo durante o ano de 1943. A exceção era o grupo proveniente do Grupo Escola, com base no Rio de Janeiro, já existente.[3]
A partir de então o capitão Padron viu a guerra de perto: neste período, após o termino do inverno, os aliados se preparavam para a ofensiva da primavera cujo objetivo era dar um golpe final nas forças inimigas em toda a Itália. A ofensiva da primavera seria feita por todas as tropas aliadas na Itália. Após o rompimento da Linha Gótica, sobretudo no vale do Reno, os alemães tinham instalado outra linha defensiva nas montanhas do vale do Pó. A ofensiva deveria levar os aliados para local mais próximo das fronteiras com a França, Suíça, Áustria e Iugoslávia para bloquear a passagem das tropas alemãs que poderiam chegar à Alemanha. A situação era desfavorável aos aliados, pois os alemães possuíam 28 divisões e uma brigada, enquanto os aliados 20 divisões e 10 brigadas diluídas entre o V e o VIII grupo de Exército[4]. Os aliados tinham a certeza de que a ofensiva da primavera seria marcada por aguerridos combates, pois se os alemães perdessem suas posições, estaria aberto o caminho para a aniquilação do exército nazista em solo italiano.
O movimento foi dividido da seguinte forma, em três fases: capturar e consolidar Bolonha, consolidar as posições no Vale do Pó e atravessar o rio do Pó, que seria a principal rota de retirada do inimigo. Em reunião no dia 8 de abril, ficou esclarecido que a 1º DIE estaria responsável pela captura de Montese, Cota 888 e Montello dentro da Operação Artífice, codinome dado aos aliados a ofensiva da primavera. A data da ofensiva brasileira ficou marcada para 14 de abril, o chamado ‘Dia D’ na Itália.
A esta altura Padron já servia como Oficial de Operações S/3 no Estado Maior do 3º Grupo de Artilharia. O grupo estava, naqueles dias ensolarados de abril, responsável pela preparação aos ataques que seriam iniciados com a ofensiva da primavera. Tiros de inquietação e localização e posterior destruição de pontos estratégicos inimigos também estavam na ordem do dia, assim como apoio a patrulhas que fizessem contato com o inimigo e precisassem de apoio da artilharia. Em 13/04 o grupo inicia o ataque de todos os objetivos previstos para a Artilharia.
As 8h30min do dia 14 de abril levantam vôo, de todos os aeroportos militares da Itália, grupos de caça e bombardeio. Também a artilharia aliada começou um bombardeio de saturação em todas as linhas de frente adversária. Neste momento inicia o avanço das tropas de infantaria, por terra, em busca de seus objetivos. A 10º divisão americana de montanha partia para a batalha, enquanto a 1º e 2º companhia do IX Batalhão de Engenharia da FEB fazia a limpeza de minas na área de Montese. O combate da FEB começou efetivamente às 13h30min com intenso bombardeio e apoio de blindados americanos. Por volta das 15h elementos do 11º RI chegavam a periferia de Montese, abrindo espaço para que soldados brasileiros adentrassem na localidade inimiga. O Tenete Iporã Nunes de Oliveira ganhou a Silver Star, condecoração americana, pelo seu admirável desempenho e destemor ao entrar em Montese[5]. A noite se aproximava e a infantaria brasileira enfrentava um dos piores contra-ataques alemães, com fogo de morteiros, granadas e artilharia. Apesar do esforço do Batalhão de Engenharia, muitas vidas foram ceifadas com as minas ao longo da jornada do dia 14. A euforia da conquista de Montese se apoderava de todos os oficiais brasileiros, mas parte da missão ainda estava incompleta: a capitulação de cota 88 e Montello.
Neste dia, Padron torna-se oficial de ligação da artilharia do II Batalhão do 6º RI junto ao Major Henrique Cordeiro Oeste. Os dois oficiais se deram muito bem, graças a corgem de Padron e o espírito destemido deste major. Padron solicitava pelo rádio junto ao 3º GO os tiros ordenados pelo Major Oeste enquanto a batalha seguia aguerrida.
Na manhã do dia 15 a tropa brasileira faz nova arremetida contra o complexo de Montese, com o objetivo de conquistar cota 88 e Montello que ofereciam forte resistência alemã. De fato, aguerrida foi a batalha contra os germânicos, pois a perda destes importantes locais significava o fim da guerra para o exercito alemão na Itália. Durante todo o dia 15 calculou-se a queda de mais de três mil e duzentos projeteis de artilharia alemã no setor da 1º DIE[6]. Graças a esta resistência, as baixas ao longo do dia foram de 129 brasileiros. A luta por Montello prossegue durante o dia 16 e o pior inimigo das tropas brasileiras se chamava Schuhmine: a temida mina alemã feita de madeira, que não podia ser detectada pelos detectores de metais e que costumava arrancar o pé de um homem e que estava espalhada por toda a área de Montese – Montello[7]. O general Mascarenhas decidiu suspender o ataque, transferindo-o para a manhã do dia 17, enquanto a 10º divisão de montanha americana começava a romper a linha alemã com a conquista de Tole. Neste dia Padron retorna a sua função junto ao 3º GO e acompanha os diversos deslocamentos do grupo pela região do Vale do rio Panaro, acompanhando a retirada das tropas alemãs que seguia com grande rapidez.
Pela manhã do dia 17 o Gen. Crittenberger visita o Gen Mascarenhas e pede que a ofensiva seja interrompida, devido ao avanço da 10º divisão e o rompimento da resistência alemã. A atividade brasileira passou a realização de patrulhas. Padron havia se deslocado junto com o 3º GO para a localidade de Bibiano, onde tira a foto que abre este artigo, em 26 de abril de 1945. A partir desta cidade, a artilharia intensificou seu trabalho na região em que estava espalhada a 148º Divisão de Infantaria alemã. No dia 28/04 o Coronel Nelson de Mello, comandante do 6º RI, lança o ultimato ao comandante das forças alemãs, General Otto Freter Pico e que dizia o seguinte:
Ao comando da tropa situada na região de Fornovo – Respício.Para poupar sacrifícios inúteis de vidas, intimo-vos a render-vos incondicionalmente ao comando das tropas regulares do Exército Brasileiro, que estão prontas para vos atacar. Estais completamente cercado e impossibilitado de qualquer retirada. Quem vos intima é o comando da vanguarda da Divisão Brasileira, que vos cerca. Aguardo dentro do prazo de duas horas a resposta do presente ”ultimato”.
Entrando em acordo as duas partes, ficou acordado que a artilharia brasileira cessaria sua atividade em 29/04. De fato, na madrugada deste dia, o 3º GO deu a ultima salva de artilharia da FEB. A guerra já estava em seu final e a cada dia novas situações deixavam claro que a paz chegaria aos campos de batalha da Europa mais uma vez. Na tarde de 27 de abril Benito Mussolini foi preso enquanto fugia, disfarçado com um capote alemão. Outras divisões alemãs e italianas também se rendiam aos aliados pela Itália do norte. No dia 30 de abril o Gen. Crittenberger entra em Milão, festejando a libertação da cidade desde a prisão de Mussolini. Nova ordem é expedida pelo IV Corpo ao 1º DIE: continuar o avanço detendo possíveis focos de resistência inimiga em direção a Alexandria. Por volta das 22h do dia 30 de abril as forças brasileiras fazem contato com a 92º divisão americana em Alexandria. Eis que no mesmo dia, 30 de abril, Hitler suicidava-se em seu Bunker na Wilhelmstrasse e o final da guerra se avizinhava. Na manhã do dia 2 de maio o Gen. Crittenberger ordena a rendição incondicional de todos os elementos inimigos em solo italiano. Por volta das 22h a ordem é cumprida. A ação culmina na Europa com a assinatura de rendição incondicional do III Reich pelo Gen Jodl em 7 de maio.
Ao término do Conflito, Padron, assim como o restante da FEB, aguarda o deslocamento de volta ao Brasil. Este se dará em agosto de 1945, quando ele retorna com parte da Força Expedicionária Brasileira ao Rio de Janeiro. Padron permanece na ativa do Exército Brasileiro aonde chega ao posto de General de Brigada em 1966.
"A foto ilustrativas deste artigo fazem parte de minha coleção particular e são originais. O acervo de Fernando Padron está espalhado entre vários colecionadores que se dignificaram a guardar a memória deste e de tantos outros combatentes e que, muitas vezes, são jogados no lixo. As ações descritas neste artigo fazem parte dos dois volumes escritos pelo próprio Padron e publicados entre 1997 e 1998 por iniciativa própria. Estes dois volumes são bastante raros e eu só os consegui através do contato com outros entusiastas da história da Força Expedicionária Brasileira, aos quais agradeço de coração. Também agradeço a Julio Z. que me doou duas imagens de Padron que estavam em seu poder."
Matéria :Blog do Licio Maciel
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