A composição e os armamentos dos alemães que enfrentaram a Força Expedicionária Brasileira na Itália.
                                                        
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| Soldados da FEB escoltando prisioneiros alemães. | 
A FEB enfrentou nove divisões alemãs, ou esteve em contato com  elas, durante os meses em que permaneceu na Itália: a 42ª Ligeira, a  232ª de Infantaria, a 84ª de Infantaria, a 114ª Ligeira, a 29ª  Motorizada, a 334ª de Infantaria, a 305ª de Infantaria, a 90ª Motorizada  e a 148ª de Infantaria.  O leitor deve ter observado os “números altos”  da maior parte dessas divisões – para o especialista, isso indica que a  unidade se formou já no final da guerra, às pressas, com recursos  reduzidos e deficiência de tropas aptas.  O supremo comandante das  tropas alemãs na Itália, o marechal Albert Kesselring, atribuía apenas a  29ª Motorizada (a conhecida “Divisão Falcão”, em alemão, a 29ª Panzer  Grenadier Division) o qualificativo de “primeira linha”.  Com esta os  brasileiros tiveram pouco contato.  As demais, em especial a 114ª  Ligeira (114ª Jägerdivision), despertavam pouca confiança no alto  comando alemão.
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| Placa afixada na Itália no exato local onde a FEB aprisionou a 148º divisão alemã. | 
Três dessas unidades interessam particularmente aos brasileiros, já que  participaram dos episódios memoráveis da FEB: a 232ª de Infantaria (a  que defendeu Monte Castello), a 148ª de Infantaria (que se rendeu em  Fornovo) e a 114ª Ligeira (engajada na batalha de Montese).  Com a 232ª,  os brasileiros estiveram envolvidos do final de Outubro de 1944 até  Fevereiro de 1945 e voltaram ainda a enfrentá-la na fase de perseguição  final aos alemães, em Abril de 45, vale a pena vê-la de perto, a partir  dos documentos alemães. 
Com data de 22 de Junho de 1944, o Alto Comando do Exército alemão  ordenou a formação de cinco divisões “presas ao solo” (bodenständige),  para emprego na frente ocidental, na defesa de grandes fortificações ou  trechos de costa.  A ideia por detrás da organização dessas divisões da  27ª onda (em toda a guerra, os alemães tiveram 31 “ondas” de formação de  tropas), era criar rapidamente, no máximo em quatro semanas, unidades  com reduzido volume de pessoal, para tarefas específicas de defesa que  pudessem empregar, portanto, soldados não tão aptos para outras funções  na primeira linha de combate. 
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| Rendição alemã aos soldados brasileiros na Itália | 
O efetivo previsto era de 9 mil combatentes, ou seja, uns 1.500 homens a  menos que as unidades “normais” da Wehrmacht.  Os cortes foram feitos,  de preferência, nos serviços de retaguarda e suprimentos.  As reduções  atingiram pesadamente os sistemas de transporte e logística, que  praticamente voltaram aos tempos da Primeira Guerra, empregando  sobretudo mulas e cavalos para o transporte do equipamento pesado, em  vez de veículos motorizados.  Explica-se: para o pessoal de planejamento  no Alto Comando em Berlim, já que ficaria “preso ao solo”, esse tipo de  divisão não precisaria mesmo de muitos meios de locomoção.  No caso da  232ª, assim como de suas quatro irmãs, compreendia três regimentos de  infantaria (de números 1043, 1044 e 1045, cada um com dois batalhões),  um batalhão de fuzileiros, um regimento de artilharia com quatro  batalhões, companhias de pioneiros, estado-maior, reconhecimento e  defesa antitanques.  Praticamente, cada divisão formada nesse período  tinha efetivos diversos, mas os planos oficiais previam para um  regimento a força de 1.987 homens, dos quais 268 não-combatentes.  Um  batalhão de infantaria chegava aos 708 soldados, divididos em quatro  companhias leves (ao redor de 140 soldados) e uma pesada (200), por sua  vez subdivididas em pelotões com cerca de 30 soldados e seções com oito a  dez.  Um regimento de artilharia compreendia pouco mais de 2 mil  homens. 
Em geral, mais importantes que o número de soldados de uma divisão, são  seu armamento e seu treinamento, além, é óbvio, do comando.  O típico  batalhão de infantaria da 232ª (eram dois por regimento) deveria possuir  13 metralhadoras leves e duas pesadas por companhia (eram quatro por  batalhão).  A companhia pesada (uma por batalhão), disporia de seis  metralhadoras pesadas, três leves, seis morteiros leves e quatro pesados  (que ainda não tinham sido fornecidos quando se formou a divisão).  A  metralhadora padrão dos alemães era a MG 34 (MG é a abreviatura de  Maschinengewehr, metralhadora), que os pracinhas, por motivos  inexplicáveis, apelidaram de “Lurdinha”.  Como unidade até certo ponto  capaz de operar por si própria, um batalhão deveria dispor ainda de uma  companhia com dois canhões antitanque de 7,5 cm (que o soldado alemão  conhecia por PAK, ou seja, “Panzerabwehrkanone”), três metralhadoras  leves e 36 bazucas.  Distribuídas por pioneiros, fuzileiros, etc., entre  outras armas, a Divisão deveria possuir 8.598 fuzis, 108 bazucas, 2.013  pistolas, 1.595 submetralhadoras, 13 canhões antiaéreos de 2 cm, 22  lança-chamas e 389 pistolas de luz.
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| O general Falconière da FEB (direita) na rendição da 148º Divisão de infantaria alemã. | 
Com exceção de 300 fuzis de fabricação tcheca, todas as demais armas de  posse da 232ª eram de procedência alemã.  Ocorre que a falta de armas  nos depósitos e almoxarifados da Wehrmacht, obrigou a Divisão a destacar  “comandos” para ir buscar seu material diretamente na linha de produção  das fábricas.  O equipamento era quase sempre do último modelo, mas  isso trouxe, paradoxalmente, dificuldades suplementares: sua chegada  tardia ao campo de treinamento de Wildflecken não permitiu familiarizar a  tropa com seu uso.  Mais tarde, em situação de combate, os alemães  tiveram suprimentos e reposição de armamentos cortados e dependiam do  que conseguissem do inimigo.  Em março de 1945, por exemplo, outra  unidade, a 114ª Divisão Ligeira, teria uma lista de armas que incluía  101 carabinas polonesas, 197 sérvias, 26 metralhadoras turcas, 32  iugoslavas e 40 italianas, quatro morteiros austríacos e um total de 30  canhões italianos diversos, incluindo antiaéreos. 
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| O General alemão Otto Fretter rendendo ao General brasileiro Zenóbio. | 
O Regimento de Artilharia da 232ª  deveria dispor de três batalhões  leves, cada um com três baterias leves (duas baterias com quatro  Feldhaubitze de 105 mm e uma só com três peças) e um batalhão pesado,  com três baterias pesadas (cada uma com três canhões de 150 mm).  Havia  também um número não especificado de canhões antiaéreos de 88 mm, cujo  poder de fogo permitia que fossem empregados também como artilharia  comum (esta foi, provavelmente, a peça mais famosa que os alemães  construíram durante a Segunda Guerra, pois arrasou os tanques ingleses  na África).  As peças deveriam ser “servidas” por um contingente nutrido  também de Hiwis, a abreviação alemã para “Hilfsfreiwillige”, ou seja,  “voluntários” e “ajudantes” locais.  Seu número possivelmente excedia a  duas centenas de homens.  O Regimento de Artilharia da 232ª jamais  conseguiu contornar dois problemas: munição e transporte.  A falta de  granadas em número suficiente levou a um severo racionamento.  Cada  canhão podia disparar no máximo sete tiros por dia.  No caso das peças  pesadas de 150 mm, o comandante da bateria ainda tinha de pedir  autorização ao posto de comando do Regimento para disparar sobre um alvo  que julgasse interessante. 
O meticuloso planejamento do Alto Comando estipulava (na rubrica “meios  de transporte”) 501 veículos a motor, 1.395 puxados por animais e até  mesmo 678 prosaicas bicicletas, uma das últimas alternativas imaginadas  pelos alemães para compensar a falta de gasolina, distribuídas sobretudo  ao batalhão de fuzileiros.  Para muitos soldados, acabaram sendo  essenciais durante a perseguição final que sofreram pelas tropas  aliadas, em abril de 1945.  Os sobreviventes contam que, pelo menos,  ninguém estava a pé e quem não tinha sua bicicleta simplesmente a  roubava da população italiana (o que acontecia, evidentemente, com  gêneros alimentícios na relativamente rica região da Emilia Romana).  No  mínimo uns 4 mil cavalos se destinavam à Divisão, dos quais 802 apenas  para montar.  A realidade era muito diferente dessa descrição minuciosa.   Os 300 veículos que a Divisão recebeu (em vez de 500), eram todos  usados, a maior parte civis, que haviam sido “requisitados” por toda a  Europa.  Vinham de 40 procedências diferentes, complicando severamente o  trabalho de manutenção.  A única exceção se constituía de 20 caminhões  Opel Blitz de três toneladas, a cargo da companhia de transportes e três  tratores de 12 toneladas (do batalhão pesado de artilharia), que eram  novos.  A Divisão precisou organizar por sua conta o transporte dos  veículos de Berlim, Kassel ou Praga para o campo de treinamento de  Wildflecken (localidade a leste de Frankfurt que até hoje serve para  fins militares: atualmente a OTAN treina ali tiros de artilharia), aonde  chegaram de trem, por falta de gasolina.  Pelo mesmo motivo –  racionamento de combustível – não puderam ser utilizados para fins de  treinamento. 
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| Uma divisão inteira . | 
Essas informações fazem parte de um relatório que o comandante da 232ª  Divisão de Infantaria, o general barão Eccart von Gablenz, escreveu em  1946, como prisioneiro dos americanos.  Literalmente a figura do barão é  um capítulo à parte.  Entusiasmado por cavalos, como quase todo oficial  alemão tradicional, o barão inspecionou pessoalmente a chegado dos  animais, seu principal meio de locomoção.  Dos 1.500 cavalos da Divisão  (em vez de 4 mil), apenas um terço veio da região próxima ao campo de  treinamento.  O restante foi “requisitado” na Lituânia e seu estado,  dado como satisfatório, apesar do longo transporte de 20 dias, por trem,  organizado por “comandos” escalados pelo general.  Infelizmente,  queixava-se o barão, com algumas poucas exceções, não havia nenhum bom  cavalo para montar.  Os demais, além disso, não puderam ser treinados a  tempo para as novas tarefas: a princípio faltavam arreios e os animais  estavam acostumados a trabalhar só na agricultura. 
Evidentemente, a mobilidade da 232ª era das mais reduzidas, o que se  agravaria ainda na Itália em virtude da total superioridade aérea dos  aliados.  Apenas um terço dos homens e do material podia ser  transportado ao mesmo tempo.  Isso retardou consideravelmente a entrada  em ação da Divisão nos Apeninos, a partir de meados de outubro de 1944.   Apenas as companhias do Estado-Maior, de comunicações, defesa  antitanques e três colunas de transporte podiam mover-se por conta  própria. 
Em comparação com os alemães, a FEB dispunha de recursos de transporte  consideráveis, o que foi inclusive louvado por seus comandantes como um  dos elementos táticos essenciais para o bom êxito de operações de  combate.                     
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| Foto do arquivo do 20º GACL A de Artilharia de Campanha Leve. Grupo Bandeirante que participaram da Segunda Guerra na Itália. | 
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| Armas alemãs sendo descarregadas pela FEB. | 
Do ponto de vista das comunicações, a 232ª era totalmente inferior a  seus adversários.  A precariedade de sua situação é traduzida pelo fato  dela ter recebido, para sua companhia de rádio, apenas aparelhos  restaurados e já utilizados na campanha de 1939.  Os telefones incluíam  modelos de quase toda a Europa, mas sem fios e cabos suficientes para  longas distâncias.  Sequer a quantidade mínima prevista nos planos – e  até essa o general von Gablenz considerava insuficiente – foi  preenchida.  A tropa na linha de frente dispunha de recursos piores  ainda.  “Todas as nossas dificuldades táticas no terreno de luta, mais  tarde, deviam-se basicamente a esse problema.” 
Também os pioneiros (tropa empregada em serviços de engenharia, como  preparação de estradas e fortificações, tarefas táticas, como preparação  do terreno para um ataque ou ainda, assegurar a retirada através de  minagem, destruição de pontes, etc.), em ação num terreno difícil e  acidentado como o dos Montes Apeninos, com pontes e estradas destruídas  ou em péssimo estado, não receberam o material pesado prometido.
Fonte deste artigo: As duas faces da glória - William Waack - Nova Fronteira.
Ilustração:  Henrique Moura                          









Prezado, Confiar nas informações de Waack sobre a FEB e seus inimigos é algo por demais arriscado. Em breve mostrarei isso em www.olapazul.com Abs,
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