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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Carteira de um veterano da FAB

Carteira de sócio da Associação dos Veterenaos da FEB (Força Expedicionária Brasileira), do 3º SARGENTO WENCESLAU com brasão da "cobra fumando", com os dizeres "Participou da II Guerra Mundial no Teatro de operações da Itália" Wenceslau Bálsamo era responsável por chefiar a Esquadrilha "C" da Força Aérea Brasileira na Itália.

(Acervo O Resgate FEB)
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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

O Frei Orlando.

 Expedicionário Antônio Alvares da Silva. O Frei Orlando.

O Capelão Brasileiro que morreu prestando serviço religioso aos combatentes da FEB.
Antônio Alvares da Silva nasceu na cidade de Morada Nova de Minas, no Estado de Minas Gerais, em 13 de fevereiro de 1913, filho do negociante Itagyba Alvares da Silva (Juiz de Paz) e de Dona Jovita Aurélia da Silva.
Em homenagem recebeu o nome de seu avô por parte de pai e, no dia 18 de março, tornou-se cristão pelo batismo realizado pelo padre João Bernardino Barone, na Igreja Nossa Senhora de Loreto.
Com seus oito irmãos mais velhos, aos três anos de idade, ficou órfão de mãe e pai. 
Passou a ser criado e educado por seus vizinhos Sebastião de Almeida Pinho (farmacêutico) e Dona Emirena Teixeira Pinho (Dona Ninita), velhos amigos de seus pais legítimos.
De temperamento herdado do pai, ainda muito criança, demonstrava espírito brincalhão jocoso e gostava de fazer os outros rirem.
O pequeno Alvares era um filho muito estimado pelos pais adotivos. Os laços de um profundo e puro afeto os ligavam, confundindo-o dentro do lar com os filhos legítimos, os quais souberam acolher muito bem o inesperado irmãozinho, que era peralta e bem-humorado. 
Recebeu da nova família formação moral, sentimento de fé, piedade e obediência às leis e aos mais velhos. Tinha horror à mentira e ao desânimo, tendo, inclusive, mais tarde, adotado o lema "Gente desanimada é gente vencida".
Em 1919, fez a Primeira Comunhão, juntamente com a sua prima "Agda" na mesma igreja em que foi batizado. Aos sete anos, foi matriculado no Grupo Escolar Professor Rafael Barroso — hoje, Escola Estadual da cidade de Abaeté —, a 87 km ao sul  de Morada Nova.
Tornou-se assíduo frequentador do catecismo, repicava os sinos da matriz Nossa Senhora do Patrocínio de Abaeté e acompanhava as procissões com turíbulo incensando a todos, na intenção de bem servir à Igreja e ao vigário (Padre Mário).
Em 1922, tornou-se coroinha, primeiro grito de chamamento para as lides eclesiásticas. Sua vocação sacerdotal surgiu mesmo aos dez anos de idade quando conheceu três padres franciscanos holandeses, oportunidade que foi convidado para ir ao Seminário, em Divinópolis.
Na manhã do dia seguinte, pediu à professora (D. Maria Mourão) para sair mais cedo da aula, para pegar os cavalos, pois queria continuar os estudos em Divinópolis (172 km de Abaeté) para ser padre. Ela não acreditou. Decorridos treze anos, já como padre, voltou, procurou a professora e disse: "Peguei ou não os cavalos para ser padre."
Servo de Deus
No seminário, logo recebeu vários apelidos, por seu comportamento irrequieto e dedicado: "Antônio Merreu" e "Antônio Capela", encarando-os com espírito esportivo e zombador.
Em 5 de janeiro de 1925, aos 12 anos de idade, ingressou no Colégio Seráfico de Divinópolis (Casarão), hoje Museu Histórico de Divinópolis, para fazer o Seminário Menor (ginásio e ensino fundamental), onde recebeu formação diversificada, esportiva e recreativa.
Aos 16 anos, recebeu missiva de sua mãe adotiva informando que seu pai de adoção havia sofrido um derrame. Pela primeira vez, chorou amargamente e, em 13 de julho de 1929, o seu segundo pai veio a falecer.
Para terminar seus estudos, seguiu para a Holanda no dia 17 de fevereiro de 1931, onde ingressou na Ordem Franciscana. Fez o sexto ano do Seminário Menor no Colégio Seráfico de Sittard e, em 7 de setembro de 1931, recebeu, no noviciado em Hoogcrutz, aquele bonito hábito marrom, com o grande cordão de três nós, representante da profissão perpétua de "obediência, pobreza e castidade.
" Estudou, depois, em Venray, dois anos de filosofia e, no convento de Alverna, um ano de teologia, onde passou a adotar o nome religioso de "Orlando". Em Wijchem, recebeu o certificado médico autorizando seu regresso ao Brasil.
Regressou da Holanda a bordo do navio "Highland Monarch" no final de setembro de 1935. Na primeira quinzena de novembro, os sinos de Morada Nova entoaram sons fortes e repicados, anunciando o retorno de Antônio Alvares da Silva, agora como Frei Franciscano Orlando — "primeiro frei Franciscano Mineiro".
Atuante, impetuoso, ávido por aventuras e proativo para fazer caridade, ia ao encontro dos necessitados, não esperava que lhe batessem à porta.
Antônio Alvares da Silva, como clérigo, estudante de teologia do Seminário Maior Franciscano, era brincalhão, vivia sempre sorridente e gostava de pitar um cachimbo "quilométrico". 
Em 25 de outubro de 1936, foi ordenado Diácono no Seminário Seráfico de Santo Antônio de Divinópolis, com Dom Inocêncio Engelke.
Em 24 de outubro de 1937, dois anos após seu regresso e com 24 anos, com a presença de todos os seus irmãos, foi ordenado sacerdote franciscano no Santuário de Santo Antônio de Divinópolis, pelas mãos de Dom Antônio dos Santos Cabral, arcebispo de Belo Horizonte. Sua cela (quarto) foi ornamentada com cinco margaridas, presenteadas por suas irmãs. Cada flor representava uma delas.
No dia 1º de novembro, na Igreja São Francisco das Chagas, em Carlos Prates, Belo Horizonte, Frei Orlando celebrou a sua primeira missa, no subsolo da edificação ainda inconclusa.
Em dezembro de 1938, foi nomeado padre espiritual do Colégio Santo Antônio, da cidade de São João del-Rei, onde deu seus primeiros passos na vida sacerdotal e marcou sua vocação à caridade e aos misteres da igreja (campus Santo Antônio da UFSJ-Universidade Federal de São João del-Rei).
A vida religiosa em São João del-Rei
A cidade de São João del-Rei passou a ser para Frei Orlando como um livro aberto de arte, de história e de religiosidade.
Procurou inteirar-se de tudo. Frequentemente, era visto com sua bicicleta subindo ladeiras íngremes, ruas sinuosas, becos sombrios, ávido de melhor observar, sempre arguto, auscultando, indagando. Ia fazendo amigos, envolvendo uns, cativando outros, com seu bom humor.
Como diretor na Ordem Terceira, fez parte do Corpo Docente do Colégio Santo Antônio, onde passou a lecionar Português, Geografia e História Geral. Tornou-se um autêntico missionário da caridade, arregimentando pessoas para sua causa. Foi o criador da "Sopa dos Pobres".
Havia muitas bocas e poucos eram os pratos. Por esse motivo, Frei Orlando foi ao 11º Regimento de Infantaria (11º RI) ², hoje 11º Batalhão de Infantaria de Montanha (11º BI Mth), ali instalado havia mais de quarenta anos. No mesmo dia, o Boletim da Unidade publicava a relação dos militares voluntários que passaram a contribuir para socorrer a prestimosa obra assistencial.
Fundou e orientou a Congregação Mariana, formada pelos alunos do Colégio Santo Antônio, ainda em São João del-Rei.
Por falta de vigário, em 1941, a bordo do vapor "Benévolo", Frei Orlando foi designado para pregar missões na Bahia e nas cidades mineiras de Caravelas, Alcobaça e Nova Viçosa, realizando aproximadamente cem primeiras comunhões.
Frei Orlando a Serviço de Deus e da Pátria
Ele merece o nosso eterno agradecimento e admiração, por ter ingressado voluntariamente no Destacamento da Força Expedicionária Brasileira (FEB), afastando-se da vida religiosa que tinha em São João del-Rei. Lutou com a cruz e com a espada. Levou a fé, a caridade e o conforto espiritual aos nossos "pracinhas" e aos italianos. Honrou o hábito dos franciscanos e a farda do Exército Brasileiro.
Incorporação
No dia 25 de março de 1944, o 11º Regimento de Infantaria (11º RI) ocupou os barracões do Morro Capistrano, na Vila Militar do Rio de Janeiro, de onde saiu somente em 22 de setembro, com destino ao Velho Mundo.
Frei Orlando apresentou-se voluntariamente e foi nomeado Capelão Militar pela Portaria nº 6.785, de 13 de julho de 1944, de acordo com o Decreto nº 6.535, de 26 de maio de 1944. Abandonou sua vida pacífica do claustro, a solidão das celas franciscanas e a paz dos templos pela vida agitada e incerta das atividades militares, a fim de atender sua vontade de bem servir à causa do Brasil e ao santo mistério de Deus, na guerra. Declarou a um amigo que era uma missão que recebeu de Nossa Senhora e sabia que não iria voltar.
Na manhã de 20 de julho, surge, no acantonamento, risonho e feliz, aquele que, como Tenente da Companhia de Comando Regimental, levaria conforto e apoio espiritual aos guerreiros da FEB, empunhando apenas duas armas: um cachimbo e uma gaita, com a qual anunciava a hora de rezar o terço. 
Além da missão de defender a Pátria, levar aos combatentes a palavra de Deus, dava ânimo e motivação aos que se viam em desespero e até revoltados, ante o quadro de caos produzido pelo próprio homem.
Na investidura de suas funções junto à tropa, celebrou sua primeira missa para o Regimento Tiradentes, em 21 de julho, em um altar tosco de madeira construído no acantonamento do Morro Capistrano.
Quando vestiu o uniforme de capelão militar no posto de tenente, sentiu a diferença. Seu garbo e sua postura impunham respeito e só era identificado como padre pelo distintivo da cruz na gola da túnica. Ao voltar fardado a São João del-Rei, procurou cumprimentar a todos pelas ruas da cidade, com tanta alegria, que parecia despedir-se de tudo e de todos.
Na missa de despedida, no Templo de São Francisco de Assis, subiu ao púlpito, falou da situação da guerra e ressaltou a sua satisfação de servir a Deus e à Pátria. "Hoje é o dia mais feliz de minha vida, completei o meu ideal: sou agora soldado de Deus e da Pátria."
A FEB na Itália
Às 11 horas do dia 22 de setembro de 1944, o navio norte-americano "General Meighs" zarpou com os "pracinhas" para a Itália. Durante o deslocamento, ficaram sabendo das primeiras vitórias do destacamento da FEB no vale do rio Serchio e o destino da viagem marítima.
Apesar de pouca convivência com todos os integrantes do "Onze", Frei Orlando já se apresentava perfeitamente entrosado com oficiais e praças. Celebrava missas e rezava o terço no tombadilho do navio.
Para o Capelão, não havia obstáculos que o impedissem de realizar suas tarefas religiosas.
Certa vez, celebrou uma missão em um dos compartimentos do navio, improvisando um altar em cima dos sacos de bagagem e utilizando sua maleta de extrema-unção, que continha todo o material necessário para o culto.
No dia 6 de outubro de 1944, os "pracinhas" atracaram no porto de Nápoles. No dia 10 do mesmo mês, embarcaram para a Ternuta de San Rossore, a oeste da cidade de Pisa, lugar com espaço suficiente para abrigar até três divisões (doze mil homens), conforme era esperado pelos norte-americanos.
Depois de completamente instalada a capelania, os capelães celebraram a primeira missa em solo italiano, na capelinha construída pelos brasileiros. Terminadas as orações, — grande surpresa! —, estavam rodeados de jovens em busca de alimentos.
Eram italianos famintos. Era a miséria da guerra. Frei Orlando logo se pôs a ajudar os necessitados, com mantimentos recolhidos dos "pracinhas". Deu conforto e esperança, dizendo que a guerra logo iria acabar.
Frei Orlando não perdeu tempo e, assim que pôde, com o auxílio de uma freira, organizou um asilo improvisado na cidade de Pisa. Não dispunha de outros recursos para mantê-lo, senão o de valer-se da caridade dos soldados. No asilo, eram lavadas as roupas dos soldados em troca de alimentos.
Em 22 de outubro, na cidade de Pisa, Frei Orlando rezou sua primeira missa oficial na Itália, a qual foi acompanhada por mais ou menos quatro mil soldados.
 Estes, em coro, encerraram a cerimônia cantando o Hino Nacional, sob o som longínquo de estrondo de canhões inimigos.
Dias depois, apareceu outro "inimigo" dos "pracinhas". Veio de surpresa, silenciosa e deslumbrante, nunca vista por muitos brasileiros. Embranquecendo as casas, as árvores, as barracas e os morros. 
Era a neve, que caía brandamente, transformando a paisagem panorâmica em um lindo e grande tapete branco. Também vieram com ela o frio e o "pé-de-trincheira".
Nos últimos dias de novembro, após o insucesso do primeiro e do segundo ataques da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária a Monte Castelo, o Regimento Tiradentes foi retirado apressadamente da situação de treinamento e enviado para a frente de combate, em substituição ao I Batalhão de Infantaria/1º Regimento de Infantaria.
O II Batalhão, onde se encontrava Frei Orlando, foi o segundo a se deslocar para as montanhas dos Apeninos, chegando à localidade de Silla, onde a capelania ocupou uma velha casa no sopé da colina. Iniciava-se o período da "Defensiva do Inverno".
A Morte do Capelão Militar Frei Orlando
"Onde não pode entrar este hábito, também não pode e não deve entrar a farda do nosso Exército."
Frei Orlando fazia questão de estar nas primeiras linhas de combate. Não se acomodava com as incertezas da retaguarda, numa posição meramente passiva. 
Dizia ele que nossos companheiros não podiam tombar sem assistência espiritual.
Com galochões contra a neve, encapotado e com capacete de aço e fibra enterrado na cabeça, progredia deitando-se aqui e ali para ocultar-se das vistas inimigas. 
Fazia questão de ver de perto as nossas posições avançadas e o estado moral dos soldados. Animava-os com seu idealismo inabalável. Dupla incumbência tomara para si nos campos sangrentos da Itália: cuidar da alma dos soldados brasileiros e socorrer as famílias famintas italianas.
Em uma noite escura e ao som da macabros obuseiros inimigos, nasceu um "bambino", que foi batizado pelo capelão e passou a se chamar "Orlando Rafael". Orlando, nome do capelão, e Rafael, do comandante da Companhia de Comando Regimental. Foi o último batismo do Frei Orlando.
Frei Orlando e o Capitão Rafael Rodarte receberam cinco dias de folga para passar em Roma, ficando hospedados no hotel Excelsior, dos norte-americanos.
Foram visitar o Papa Pio XII, que fez concessão especial ao Frei Orlando, autorizando-o a celebrar missa na Catedral de São Pedro.
Ao sair da Basílica de São Pedro, à porta do templo, disse ao seu comandante de companhia e amigo: "Meu caro Rodarte, penso que não voltarei ao Brasil, e se tal acontecer, quero pedir-lhe para que seja enterrado com o hábito de Franciscano e com o capuz na cabeça. 
Desejo, ainda, que meu altar portátil, a coleção de vida dos Papas, o meu cachimbo e a minha gaita sejam entregues aos Franciscanos de São João del-Rei."
Frei Orlando prestou, heroicamente, toda a assistência religiosa aos nossos companheiros, vítimas da guerra, no cumprimento do dever. Não se punha à retaguarda nem se conformava em ser mero expectador de um duelo. "Não posso", dizia ele completamente transtornado, "não posso permanecer distante dos que caem varados pelas balas, gritando pelos nomes de seus pais queridos!"
Frei Orlando continuava nas suas andanças pelos morros, atingindo as posições, querendo ver de perto o que se passava. Arriscou a vida por diversas vezes nessas imprudências. 
A fim de ser protegido dos perigos da guerra, foi deslocado para o Posto de Saúde Avançado, com o intuito de atender aos feridos que chegavam do campo de batalha. Vivia bem disposto, alegre e sempre animado e animando a todos. Dormia e acordava sorrindo, seu bom humor era contagiante.
Certa vez, nas imediações de Pisa, os oficiais o convidaram para uma "farra", e ele, dando uma baforada de seu cachimbo, para espanto de todos, aceitou. Foram se arrumar. Todos vieram fardados e, para surpresa deles, o capelão apareceu de hábito franciscano.
Todos retrucaram, e ele respondeu: "Saibam os senhores, meus patrícios, que, onde não pode entrar este hábito, também não pode e não deve entrar a farda do nosso Exército."
O incidente que levou à morte Frei Orlando
Na manhã de 20 de fevereiro de 1945, véspera da conquista de Monte Castelo, Frei Orlando, depois de estar com a 4ª Companhia (4ª Cia), em Falfare, dirigiu-se ao observatório de Monte dell' Oro. Lá, manifestou ao Comandante do Batalhão o desejo de ir de Falfare até Bombiana, para visitar a 6ª Companhia (a mais bombardeada).
Optou por um caminho mais curto, porém perigoso, mas o Comandante do Batalhão impôs-lhe o mais longo e seguro. Seguiu sozinho, a pé, marchou ao encontro da morte. A meio quilômetro de Bombiana, durante o percurso, encontrou-se com o Capitão Francisco Ruas Santos, que o convidou para prosseguir no seu jipe, dirigido pelo Cabo Gilberto Torres Ruas, que, juntamente com o Sargento Partigiani (membro da Resistência italiana, atuando como guia), seguiam na mesma direção. Frei Orlando, muito folgazão, ainda contou uma passagem alegre da ocupação holandesa no Brasil, dando uma de suas costumeiras gargalhadas.
O jipe seguia lentamente pelos caminhos esburacados para o ponto cotado 789, quando, de repente, se deteve sobre uma pedra. Todos desembarcaram e procuraram retirá-la, engastada no eixo dianteiro. O sargento italiano, no intuito de ajudar o capitão, que trabalhava na retirada com uma manivela, o fez desferindo forte pancada com a coronha de sua arma. Isto ocasionou um disparo acidental, que atingiu mortalmente o Frei Orlando no peito.
Este soltou um grito; ao mesmo tempo, levou a mão ao peito. Dando alguns passos à frente, tirou seu terço do bolso do casaco, balbuciando a Ave-Maria. 
O Capitão Ruas largou tudo e saiu às pressas à procura do médico do batalhão, mas já era tarde. O italiano chorava e lamentava em prantos, agarrado ao corpo do capelão.
Às 14 horas do dia 20 de fevereiro, ao som de granadas e metralhas, o corpo de Frei Orlando, vestido com o hábito franciscano e o capuz, em atenção a seu último pedido em vida, foi velado por praças e alguns oficiais na Capela de Santo Antônio de Bombiana.
Às 19 horas, durante a missa de corpo presente, seu corpo foi colocado em cima de uma padiola, no chão frio da capelinha. O Capelão Frei Orlando parecia dormir, ninguém acreditava no que aconteceu. Todos choravam a perda inesperada do frei que sonhava um dia ser missionário na China.
Perdia-se assim, abruptamente, um incansável missionário, um pregador de méritos, um escritor de talento, um dedicado professor, um catequista emérito, um extraordinário confrade e um militar de escol.
Na manhã do dia seguinte, foi celebrada outra missa, com a assistência dos oficiais e praças do II/11º Regimento de Infantaria ³. Enquanto Monte Castelo era consolidado e era feita a limpeza, o corpo de Frei Orlando era transportado para o cemitério de Pistoia, onde se alinhou junto aos demais brasileiros mortos nos campos da Itália.
Foi hasteada a Bandeira Nacional no cemitério votivo de Pistoia, no dia em que Frei Orlando baixou à sepultura, aos sons de repetidos disparos da guarda fúnebre. Ao som do repicar dos sinos das igrejas de Pistoia e do triste toque de silêncio, foi-se aquele que passou pela vida distribuindo gargalhadas e conforto espiritual.
Sua missa de sétimo dia foi rezada pelo Padre Pheeney (capelão-chefe), que deu absolvição final à estola do sacerdote e ao capacete do militar, na Igreja Matriz, em Porreta Terme, a qual estava repleta de oficiais, praças e fiéis italianos.
No dia 5 de outubro de 1960, na cidade de Pistoia, na terra adotiva dos nossos guerreiros, teve início a exumação de todos os nossos soldados, cujos despojos foram transladados para o Rio de Janeiro. 
No dia 22 de dezembro, 451 soldados do Brasil se encerravam para sempre nos subterrâneos do Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial (Pantheon dos Heróis da Pátria). Frei Orlando voltou ao seu país natal.
O Patrono do Serviço de Assistência Religiosa do Exército
"O insigne Antônio Alvares da Silva, Frei Orlando, que morreu pela Pátria e por Deus no campo de batalha italiano durante a II Grande Guerra, nasceu para a eternidade e teve seu nome imortalizado como Patrono do Serviço de Assistência Religiosa do Exército (SAREx)."
Quando da constituição da Força Expedicionária Brasileira (FEB), Frei Orlando foi um dos primeiros a apresentar-se como voluntário, sendo nomeado Capitão Capelão do II Batalhão do 11º Regimento de Infantaria, sediado em São João del-Rei, na data de 13 de setembro de 1944. Sete dias depois, embarcou com a Força Expedicionária Brasileira para participar da II Guerra Mundial na Itália. 
Partiu satisfeito, pois o seu sonho era ser missionário de Cristo e do Brasil. Foi expedicionário de sua igreja e de sua pátria.
Considerou-se justo que nossos combatentes, em plagas italianas, fossem fortalecidos espiritual e moralmente pelos capelães militares. Foram assim integrados à FEB, em seus diversos escalões, trinta padres católicos e dois pastores protestantes.
Frei Orlando granjeou o respeito e a admiração de todos os integrantes de sua Unidade por seu destemor e abnegação, além da sua luta em levar o conforto e uma palavra de encorajamento aos "febianos", onde quer que estivessem. 
Sua presença era constantemente notada na primeira linha, como se lê em um trecho de carta que escreveu a seus familiares:
"Desde que vim para a linha de frente, estou sempre no Posto de Saúde Avançado a fim de atender os feridos que chegam do campo de luta. De fato, vivo 'zanzando' por toda parte, hoje aqui, amanhã ali, dormindo ora neste, ora naquele lugar, sempre na primeira linha. Até hoje, nada sofria. Ao contrário, estou bem disposto, alegre e sempre animando a turma."
Estas palavras bem revelam a coragem e a alegria com que ele cumpria sua missão. Aliás, alegria era a sua marca registrada, cunhada por ele na célebre frase: "Passei pela vida sorrindo, embora tivesse motivos para chorar!", que bem reflete sua atitude perante as dificuldades e os obstáculos com que se deparou durante a existência.
O Tenente Gentil Palhares, companheiro de Frei Orlando no "front" italiano, testemunha fidedigna por ter convivido pessoalmente com o grande sacerdote, no livro "Frei Orlando: o Capelão que não voltou", relata mais de uma ocasião em que transparece claramente o espírito ecumênico do Patrono do SAREx. 
Possuir espírito ecumênico, aliás, é um dos requisitos básicos para aqueles, padres católicos romanos e pastores evangélicos, que pretendam ingressar no Quadro de Capelães Militares do Exército.
Naquela fria tarde de 20 de fevereiro de 1945, os soldados brasileiros preparavam-se para outra violenta arremetida a Monte Castelo. Os combatentes anteriores mostraram aos pracinhas da FEB o valor do soldado alemão e permitiram que se conscientizassem de seu próprio valor. 
Todos esperavam o dia seguinte, conservando em suas mentes a lembrança dos companheiros mortos e feridos.
No frenesi destes trabalhos, encontramos Frei Orlando, armado de seu ritual e dos santos óleos, levando conforto e coragem aos nossos combatentes.
As companhias do II Batalhão estavam ao pé do Monte Castelo, prontas para atacá-lo. Frei Orlando visitara todas, menos uma.
A todo custo, queria visitá-la, queria levar o conforto de suas palavras a todo o seu rebanho, pois o dia seguinte seria o dia do ataque ao forte bastião. Foi na tentativa de alcançar a companhia que não visitara, que o Frei Orlando foi mortalmente ferido, entregando sua alma ao Criador.
Morre esse abnegado soldado-sacerdote, tornando-se um exemplo para aqueles que dedicam sua vida a levar uma palavra de ânimo aos irmãos de farda. 
Contava com 32 anos de idade. O boletim nº 52, do 11º Regimento de Infantaria (11º RI), de 22 de fevereiro de 1945, impresso em Docce, na Itália, registrou o passamento do capelão:
"Foi recebida, com dolorosa surpresa, a notícia do falecimento do Capelão Capitão Antônio Alvares da Silva (Frei Orlando), quando se dirigia de Docce para Bombiana, a fim de levar assistência espiritual aos homens em posição, no dia 20, quando do ataque ao Monte Castelo.
O sacerdote, que desapareceu da face da terra após ter servido com pureza de sentimento à religião e à Pátria, deixa imensa saudade no seio da organização católica a que pertencia. No 11º RI, como Chefe da Capelania, conquistou a todos pelas qualidades apostólicas.
No teatro de operações, nos dias de maiores atividades bélicas, jamais deixou de levar o seu conforto espiritual ou o santo sacrifício da missa em qualquer circunstância, mostrando-se, além de religioso, um forte, um bravo, um verdadeiro soldado da Cruz de Cristo."
Seu túmulo permaneceu no Monumento Nacional aos Mortos da II Guerra Mundial, Rio de Janeiro, até o ano de 2009, quando os restos mortais foram levados para São João del-Rei, por ocasião do encerramento da fase diocesana de seu processo de beatificação.
Como justa homenagem a Frei Orlando, capelão que viveu e morreu cumprindo sua missão com tanto ânimo, fé e destemor, foi-lhe outorgado, com o Decreto nº 20.680, de 28 de fevereiro de 1946, o título de Patrono do Serviço de Assistência Religiosa do Exército, e a data de seu nascimento, 13 de fevereiro, consagrada como o Dia do SAREx.
Por ocasião do centenário do seu nascimento, e em reconhecimento aos seus grandes préstimos, o Exército Brasileiro o homenageia fazendo constar a frase "FREI ORLANDO — SOLDADO DA FÉ" em todas as correspondências e ofícios durante o ano de 2013, o que vem ao encontro da iniciativa da Igreja Católica de proclamar este como o Ano da Fé, para levar seus fiéis a refletir sobre como a dimensão espiritual influencia a vida de cada um.
Ao reverenciarmos a figura ínclita do Patrono do SAREx, este sacerdote-soldado que enobrece tanto a religião quanto a Força Terrestre, queremos homenagear também todos os capelães, padres católicos e pastores evangélicos, que integram atualmente o SAREx.
Em Frei Orlando, os atuais pastores de alma da Força Terrestre têm o exemplo lídimo no qual se espelhar para realizarem com êxito a assistência espiritual, moral e psicológica que prestam aos militares e a suas famílias.

Fontes:
CNCMB 
Jornal das Lages 
Museu Virtual da FEB 
História do PRP 
Francisco Miranda 
Frei Orlando - O Capelão que não voltou. 
Blog São João Del Rei 
Projeto Museu da Vitória - Brig Nero Moura 
Relembrando Nossa História - Divinópolis 
Marcus Santiago 
Relembrando Nossa História - Divinópolis 
Museu da FEB BH - Espaço Cultural da 4ª Região Militar
Jornalismo de guerra 
Revista Verde Oliva nº 219.
Texto de Francisco José dos Santos Braga.
Site Força Expedicionária Brasileira. 

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Chaveiro semana da asa de 1963.

Lindo chaveiro antigo  Senta a Pua da semana da Asa de 1963 .

(Acervo O Resgate FEB)


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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

O Copiloto. Parte 2


Uma segunda vez em que fui tangido pelo copiloto foi no regresso de missão no Vale do Pó, em condições de mau tempo. 
Vínhamos no colo do controle radar de terra que nos guiava por dentro das nuvens em vôo por instrumentos, em esquadrilha. Comandava o Capitão Lafayette, com o Keller de número dois, eu de três e o Mocelin de número quatro. 
A primeira proa ditada pelo controle de terra era um rumo paralelo aos Apeninos, ainda no lado do inimigo. Deveríamos primeiro atingir certa altitude, para depois, sempre comandados pelo radar, infletir para Sul-Sudoeste, em direção a Pisa. 
O vôo era penoso, pois havia alguma turbulência. Cansava manter a esquadrilha unida para não desgarrar do líder. Em dado momento, começaram A espocar, dentro das nuvens, salvas de 88 de algumas das baterias antiaéreas alemãs, já então reguladas pelo radar. 
Numa das ações evasivas executadas pela esquadrilha, sobrou meu ala, o Mocellin. Perdeu-nos de vista dentro do espesso caldo cinza da nuvem e prosseguiu, por conta própria, guiado pelo radar de terra. Numa outra guinada mais brusca, sobrei eu. 
De certa forma aliviado do esforço de me ter de manter colado no guia, fiz um apanhado do instrumental de vôo e, comandando minhas próprias atitudes, pedi instruções ao controle radar, que m'as forneceu em termos de nível 'de vôo e proa. Pela direção que me indicou, deduzi que já iniciara a travessia do maciço dos Apeninos. Voava tranqüilamente a uns quinze mil pés dentro do cinza denso do colchão de nuvens. O perfil das pontas das asas não era nítido. Tudo em ordem e funcionando bem. Só a gasolina é que já não era muita. A missão havia sido longa e os percursos, por instrumentos, mais demorados. 
Um pouco preocupado com a gasolina, resolvi comunicar-me com COOLER -código da estação de Radar de terra - para averiguar sobre a distância a que eu estaria da Base. 
Tentei inutilmente -silêncio total. Tive uma estranha sensação de desamparo.
 Observei para mim mesmo que vinha sendo, de fato, silencioso e sereno aquele meu vôo, desde o único diálogo que mantivera com COOLER, depois de estar por conta própria Não ouvia nem COOLER nem a comunicação de outras esquadrilhas; o que seria de esperar naquelas condições de tempo. Passei para outros canais do transceptor VHF. Nada! Conclusão simples e incômoda: pifara o meu único meio de comunicação com a terra.
 Como, já nesta altura, a gasolina era pouca, precisava tomar decisões urgentes. Mentalmente procurei reconstituir os rumos que nos haviam sido determinados pelo controle de terra, para deduzir minha posição aproximada. Cálculos de orelhada, nada confiáveis. Pela última proa e pela altitude, sabia apenas que devia estar atravessando os Apeninos, em direção ao Sul. Calculava a gasolina para mais ou menos meia hora de vôo.
 Resolvi: mais dez minutos no rumo Sul para aumentar as chances de já ter transposto a serra, depois rumo oeste, para a direita, em direção ao litoral de Livorno, descendo, e, logo que furasse o colchão, já sobre o mar, meia volta volver e procurar chegar a Pisa que fica próxima ao litoral. 
O plano tinha como pontos principais: primeiro descer sobre a água, sem perigo de colisão com os morros, pois não sabia qual seria o teto, e, segundo, caso acabasse a gasolina antes de alcançar o litoral, seria mais fácil pousar de papo na água e me safar no bote salvar vidas inflável que levávamos no assento do pára-quedas. Assim fiz. 
Os dez minutos no rumo sul pareciam não passar, enquanto me atormentavam as dúvidas da transposição dos Apeninos e da marcação do combustível. Afinal, guinei para a direita, tomando a proa oeste, rumo ao mar. Será que já passei da serra? Será que vou furar o colchão sobre o mar? Será ... fui interrompido nestas aflitivas conjecturas por um valor mais contundente que se alevantava - começou a piscar aquela luz vermelha do painel, conhecida como o olho da bruxa, que indica ao piloto dever esgotar-se o combustível num prazo aproximado de quinze minutos! Estaria neste momento ainda a uns três mil metros, descendo para oeste. Não havia mais escolha, pois precisava passar para debaixo do colchão, para poder tomar outras decisões. 
Poderia, evidentemente, também manter-me em vôo nivelado, esperar a gasolina acabar, ou até mesmo abandonar o avião de pára-quedas naquele momento e torcer para cair do lado dos aliados. 
Havia, entretanto, vários tipos de obstáculos de ordem subjetiva para que eu pudesse adotar esta solução. De saída, eu nunca havia saltado de pára-quedas, e despejar-me naquele espaço cinza sem horizonte, sem céu nem chão, era forte demais para o meu aparelho gástrico.
 E, depois, eu não sou feito do estofo de um piloto sueco ou teutônico que consegue, numa hora destas, processar todos os dados do seu computador de cachola e concluir: Continue no rumo Sul para ter certeza de estar sobre território amigo; mantenha sua altitude para evitar os obstáculos topográficos; duas coisas podem acontecer - você entra numa área de melhor visibilidade e resolve à vista da nova situação ou você salta de pára-quedas quando a gasolina acabar ... Não, positivamente, não sou feito deste estofo. 
E, ainda mais, aquele negócio de saltar de pára-quedas, assim a sangue frio, além de ser muito chato, ainda tinha implicações de ordem sentimental de profundas raízes. E a garça? E o meu P-47? Ciao bello, que eu fico por aqui ... ? Tout court! Que é isso! Pois aquela garça era minha, e eu também pertencia a ela, com o seu A4 meio desalinhado pintado no capô. 
Além do mais, aquele P-47 me levava e trazia, inteiro, das missões, mesmo quando o acertavam de mau jeito, como naquele dia em que pousou em Pisa banhado de óleo que lhe escapava do motor atingido, mas que, até me depositar seguramente na pista, havia continuado pulsando firmemente, sem esmorecer. 
Ou como naquela vez em que, espicaçado pela desfaçatez com que via oito bocas de 20 mm perseguirem o Keller e o Menezes, resolvi acabar com aquele carnaval e expus o meu A4 a riscos desnecessários, eliminando-as a metralhadora, juntamente com o Armando, quase entrando pela posição adentro, mas levando, de troco, muita mecha.
 Ainda assim, a garça me trouxe de volta, incólume, mesmo com as asas perfuradas e com fitas de munição de metralhadora dependuradas como vísceras metálicas. E, depois, além daquele A4 ser meu cupincha, meu curriola, ele não pertencia só a mim. Ele pertencia ao Sargento Argola, seu mecânico, a seu auxiliar, Cabo Torres, e a toda a equipe que o municiava e dele cuidava. E, como logo perceberia, não era só o A4 que pertencia a eles, era eu tambem, assim como todos os pilotos pertenciam às equipes de terra, da mesma forma que a meninada sempre pertence a toda a família e aos seus agregados. Por isso, cuidavam com tanto carinho de nós pilotos e dos nossos aviões. 
As nossas ações e o que acontecesse conosco podia ser motivo de grandes alegrias ou de grandes tristezas para aquela grande família que aguardava, sempre ansiosa e preocupada, o nosso regresso das missões. Não pretendo inferir que todas essas considerações se houvessem apresentado analiticamente no momento de decidir o que fazer. Não. Tudo aquilo já estava embutido na gente e representava a nossa verdade.
 No momento de decisão, parti, forçosamente, das minhas verdades. Por isso, nada de saltar de paraquedas, nada de rumo Sul. Continuar para Oeste e, como o olho da bruxa não sossega, nariz embaixo para varar esta porcaria destas nuvens o mais depressa possível. Por que esta decisão? Intuição, só isso. 
Reduzindo um pouco a compressão e a rotação para esticar o combustível, meti o nariz para baixo, como num mergulho raso. Dois mil metros, mil e quinhentos, mil metros - achatando um pouco a descida e o coração batendo na garganta, quase no gogo - oitocentos metros, seiscentos metros e nada de furar o colchão! Uma coisa era certa - a parte mais alta do espinhaço dos Apeninos já havia ficado para trás. Quinhentos, quatrocentos ... o cinza compacto e homogêneo começa a assumir umas sombras mais escuras. 
Todo piloto conhece esse sintoma de que se está alcançando a base das nuvens. É curioso que dentro da nuvem, mesmo densa, a luminosidade é maior do que na sua base. Daí o escurecimento quando se baixa para a base. 
Nesta altura, sem comunicação rádio que permitisse fazer a correção alimétrica do instrumento, aquela indicação de quatrocentos metros poderia variar, na realidade, para mais ou para menos. Trezentos metros. Indícios nítidos de que chegava à base do colchão. Segundos angustiantes. Onde estaria? Já havia alcançado o mar? O corpo todo tenso como um nó e as têmporas pulsando de encontro aos fones emudecidos. 
Não dá mais para esperar! Nariz para baixo e vamos ver logo que bicho dá! Duzentos metros ... não estou sobre a água! Cento e cinqüenta - vejo o verde da vegetação - cem metros - furei!!! Volto a respirar. 
Baixo mais um pouquinho para livrar as rebarbas da base das nuvens. Chuva fina, visibilidade de dois a três mil metros. Acabo de desatar o nó e de me acomodar para nova situação -um cisca relativamente confortável. Teto de uns cem metros, visibilidade razoável, garoa. Estou num vale, sobre um rio. Não sei como nem por que aquele rio corre exatamente para oeste, o rumo em que vinha descendo. Dos dois lados do vale os morros penetram as nuvens. Estou desta forma voando por dentro de uma espécie de calha topográfica, relativamente estreita, visto que, apesar da pouca visibilidade, podia distinguir-lhe os limites à esquerda e à direita. Tudo isso com uma tampa de nuvens maciças a uns cem metros de altura do solo.
 O rio acompanhando o vale, de leste para oeste, portanto em direção ao litoral. Apesar da insistência da luz da gasolina eu já tinha mais calma para avaliar a situação. Aquele rio era, sem dúvida o Arno, o mesmo que passa na porta do Albergo Nettuno em Pisa, nosso alojamento. Estava a caminho da casa.
 O problema passava a ser bem mais simples -seguir o rio, no cisca, e rezar para que a gasolina desse para chegar ... eis que surge na margem esquerda uma pista! De bom tamanho e, como o avião estava leve, sem bombas e sem gasolina, não havia o que esperar. Trem embaixo, flaps totalmente estendidos, reduzir o passo da hélice, acelerar para manter a velocidade de aproximação, dependurado no motor, uma pequena entortada para alinhar com o eixo da pista e ... terra firme! 
Surge um jipe quadriculado de amarelo e preto, o tradicional Follow me (siga-me) e me guia para o pátio de estacionamento. Nesta rolagem sob a chuva miúda o co-piloto deve ter desembarcado, deixando-me novamente por conta própria. Segui aquele jipe, taxiando devagar e com as pernas bambas, a ponto de só conseguir controlar os freios com certa dificuldade. Era uma base de esquadrões ingleses da RAF. 
Convidaram-me para tomar chá na sala dos pilotos. Contei o que houve. Localizei-me na carta da região. Estava na margem do Raio Arno, a quinze minutos de vôo de Pisa, a nossa base. Tive certa dificuldade em convencer os ingleses a abastecerem meu avião e a deixarem-me seguir caminho para casa. Como? Com aquele tempo disgusting, numa tarde que já estava perdida! Tão mais sensato confraternizar, reconfortando-se com um bom brandy! A minha ânsia de voltar à Base os acabou convencendo de que era inútil apelar para o bom senso de quem de britânico só demonstrava um. relativo domínio do idioma. Agradeci a acolhida e, pau no burro ... 
De tanque cheio e sabendo por onde andava, aqueles quinze minutos de vôo rasante até Pisa foram um salutar passeio para sacudir as aflições anteriores. Um cisca consciente e altamente técnico como os daquele meu Brasil distante. Um cisca confiante naquele meu A4 verde-escuro um pouco arranhado e manchado, cujo avestruz assanhado na bochecha esquerda e o verde e amarelo na cauda os ingleses, como a mim próprio, haviam fitado com um misto de estranheza e de respeito .. 
- BLACK- BALL TOWER. JAMBOCK RED. OVER
- ROGER JAMBOCKTHREE-PANCAKE. RED THREE. CLEAR TO LAND. BLACKBALL
Rolei para o estacionamento. Desta vez as pernas estavam firmes. Desafiei a máscara de oxigênio e exibi a dentadura completa para o Sargento Argola que já estava de pé na asa, a meu lado. 
Junto do avião havia um grupo das equipes dos outros aviões da RED - Alguém gritou. 
- E os outros, Tenente? 
Na salà de operações, fui saber que o Lafayette, o Keller e o Mocellin haviam pousado em outra Base, mais ao Sul. Foram para lá conduzidos pelo radar, porque o teto em Pisa estava muito baixo. Tinham todos chegado bem, sem maiores novidades. Eu, que chegara com a alegria da ovelha desgarrada que se reencontra com o rebanho, fora, afinal, o primeiro a-chegar. 
Primeiro, coisa nenhuma! O co-piloto já me estava esperando no cassino dos oficiais, com um reconfortador copo de uísque ... 
Matéria:
Alberto Martins Torres-Cap Av R/2. 
História da Aviação Militar.
Leandro Dantas.